Por Mirela Costa do Jornal da USP
Em meio ao agitado cotidiano das cidades, entre ruas, carros, semáforos e prédios, existe um vasto universo de cidadãos com suas próprias histórias e vivências urbanas. Essa pluralidade de experiências é o tema da exposição São Paulo Cidade: Sinais, Manchas e Sombras, inaugurada no dia 3 passado no Centro MariAntonia da USP.
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Estão em cartaz mais de 100 fotografias, pinturas, desenhos e gravuras dos artistas Evandro Carlos Jardim, João Luiz Musa, Marco Buti, Lucas Eskinazi e Rafael Aguaio – os três primeiros são professores de Artes Visuais da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e os dois últimos, alunos do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da ECA. Com entrada grátis, a mostra vai até 29 de junho.
“Apesar das variadas técnicas usadas por esses artistas, o percurso pela cidade é o motor que eles têm em comum na elaboração de seus trabalhos”, afirma Claudio Mubarac, curador da exposição e também professor de Artes Visuais da ECA, em entrevista ao Jornal da USP. Ao transitar pela mostra, o público observa retratos do cenário urbano e elementos relacionados à dinâmica das grandes cidades, sobretudo São Paulo.
Segundo Mubarac, uma das características marcantes das oficinas do Departamento de Artes Plásticas da ECA que também se revela na exposição é a integração entre meios artísticos distintos. “O objetivo é desmanchar um pouco a divisão técnica entre pintura, desenho, gravura e fotografia, já que na contemporaneidade esses recursos são muito mesclados, têm diálogos interessantes entre si”, destaca o curador.
Nas três salas da exposição, as obras não só se relacionam como também estabelecem contato com o visitante. A representação de cenas do cotidiano urbano aproxima o público. “Todos nós, independentemente de termos alguma atividade ligada à fixação de imagens, guardamos retratos mentais da nossa cidade. Fazemos isso com o nosso simples circular pelo espaço urbano”, aponta o professor.
“Acho bonita a ideia de que uma cidade é um conjunto quase infinito de cidades, e cada um de nós reúne pedaços, parcelas, fragmentos, levemente, às vezes, profundamente diferentes da própria vivência urbana”
Claudio Mubarac
O ambiente que Mubarac denomina “laboratório” da exposição é o único com obras dos cinco artistas. Desde o filme As Estrelas Veem Dinossauros, gravado por Lucas Eskinazi, até a sequência de desenhos e anotações pessoais de Evandro Carlos Jardim, os trabalhos apresentados compõem o cerne da mostra à medida que interagem entre si. Para o curador, uma das obras mais representativas dessa interação é Sem Título (1995), de Marco Buti, uma gravura em metal. “Podemos chamar a peça do Buti tanto de gravura, como de pintura, mas também de desenho. O que realmente importa é que o diálogo efervescente entre os elementos da obra está ali”, enfatiza.
Ainda na mesma sala, outro símbolo da união entre duas linguagens artísticas é a sequência de imagens produzidas por João Musa e Evandro Carlos Jardim: gravuras de Jardim se sobrepõem a retratos de cenários urbanos fotografados por Musa. Há também Folhas Secas: Calçada Nova (2021), uma pintura feita por Rafael Aguaio inspirada pela produção de Jardim, de forma a demonstrar a relação direta tanto entre as obras como entre seus autores. “Esse pequeno ambiente é o coração da exposição, onde as trocas acontecem de maneira mais intensa”, destaca Mubarac.
A vivacidade de cores e movimentos é marca do segundo espaço expositivo, com obras de Eskinazi e Aguaio. A sequência Caillois, de Eskinazi, se destaca na sala devido aos tons vibrantes dos trabalhos. “Para fazer essa série, o Lucas copiou fotos digitalmente e as transportou para um outro papel de impressão, superantigo, aliando tecnologias novas e antiquadas”, explica o curador. No ambiente, a representação de cenas cotidianas e do dinamismo da vida urbana por meio de fotografias é predominante, como em Rua do Carmo, de Aguaio, e O Quarto de Funes, também de Eskinazi.
Na maior e última sala da exposição, encontram-se gravuras em metal de Buti e Jardim e fotografias analógicas de Musa. Em imagens que retratam a década de 1990 da capital paulista, Musa constrói um panorama da cidade a partir de cenas particulares e capturas individuais de diferentes cidadãos dispersos pela paisagem urbana. Já nas gravuras expostas no espaço, os artistas trabalham com a ideia de movimento. Ao adentrar a sala, outro trabalho que se destaca é uma sequência de mesas cujas superfícies são repletas de mãos desenhadas e gravadas por Buti. Sobre a peça, o curador comenta: “O artista faz referência aos desenhos da cultura paleolítica. Ele trouxe o Paleolítico para hoje, porque são típicas mesas de boteco, feitas de lata. É como se as pessoas que estivessem em volta da mesa resolvessem deixar um sinal ali”.
De geração para geração
Segundo Mubarac, o conjunto de obras da exposição vai além dos olhares sobre o cotidiano das cidades. Ele também traça um panorama entre diferentes gerações de artistas visuais da USP. “Temos desde o Evandro, que esteve na fundação do Departamento de Artes Plásticas da ECA, até o Lucas e o Rafael, que são os mais jovens. A exposição faz uma leitura da história do departamento e das oficinas de Desenho e Gravura que mantemos lá”, destaca.