Por Natália Cunha, diretora do Museu das Favelas

Em um país marcado por desigualdades sociais, as favelas sempre foram territórios de resistência, criatividade e inovação cultural. Apesar disso, as expressões artísticas vindas desses espaços foram invisibilizadas, sendo colocadas à margem, assim como seus moradores. Hoje, a discussão sobre o papel central da arte periférica ganha novos contornos e espaços de legitimação, tornando-se indispensável no debate sobre cultura e sociedade.

A arte carrega consigo a autenticidade de experiências vividas nesses territórios. Graffiti que transforma muros em telas, sambas criados por comunidades negras, que preservam as raízes das comunidades, desde o início do século XX. O hip-hop que deu voz às periferias nos anos 1980, o funk que movimenta multidões e a literatura marginal que narra histórias de resistência – todas essas manifestações não são apenas expressões artísticas, mas também afirmações das identidades.

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Ao desafiar padrões estéticos e narrativas dominantes, a arte periférica vai além da tradicional e esperada criação artística. Ela é uma ferramenta política que questiona as desigualdades e injustiças. Nesse contexto, é imprescindível que essa produção cultural seja valorizada e debatida como um elemento central na formação da identidade cultural brasileira.

Um exemplo é o Museu das Favelas, inaugurado em novembro de 2022. A instituição surge como um espaço de pesquisa, preservação e exaltação das memórias e potências criativas das comunidades brasileiras. O Museu simboliza um gesto de ressignificação, levando essas expressões de arte e cultura a um espaço historicamente associado ao poder e à aristocracia. Ao estar localizado em um palácio centenário na região central de São Paulo, traz a favela para o coração da cidade, tornando seus moradores pertencentes a esse espaço.

Ao trazer a arte periférica, com toda sua diversidade e fluidez, para o centro das discussões, desafia-se a ideia de que cultura e arte pertencem apenas a espaços elitizados e reafirma-se que a produção cultural das favelas é tão rica e relevante quanto qualquer outra expressão artística e deve ser reconhecida como parte essencial da cultura brasileira.

Em um ato de transformação social, a partir do momento em que a sociedade abraça a complexidade e a riqueza dessa produção cultural, ela se torna mais plural e inclusiva. Com poder de transformar ao ocupar espaços como museus, galerias e festivais, ela não apenas promove a inclusão, mas também redefine os conceitos de valor cultural. A estética periférica rompe paradigmas, trazendo para o centro das discussões a vivência e a visão de mundo da população que nunca se viu representada nesses espaços.

Essas manifestações artísticas também servem como ferramentas pedagógicas, incentivando o empoderamento e a valorização das raízes culturais das comunidades. Em um mundo onde as desigualdades sociais se refletem diretamente no acesso à cultura, a valorização dessa cultura é um passo fundamental para construir uma sociedade mais justa e igualitária.

A arte periférica não é apenas uma expressão local, é uma linguagem universal que conecta histórias, sentimentos, potências, vivências, sonhos e diversos outros fatores. Reconhecê-la como tal é uma forma de pensar o amanhã construindo desde já novos futuros possíveis que podem esperançar lugares para todas as expressões e vozes.

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