Durante cinco anos, os fotógrafos Erick Dau, Francisco Proner e Thiago Dezan, da Agência Farpa, percorreram dez países da América Latina para registrar a rotina da vida dos presos dentro de dezoito penitenciárias. O resultado dessa investigação é o projeto “Desse Lado do Muro”, que reúne imagens em grande escala, vídeos, lambes e projeções, que viraram um livro e uma exposição que ocupa agora o antigo Centro de Triagem de Curitiba.
O tema e o formato da expografia se integraram à perfeição ao projeto “Cárcere”, do qual faz parte o processo de expansão do Museu da Imagem e do Som do Paraná (MIS-PR), que abre como espaço cultural o prédio anexo, que por décadas funcionou como centro de triagem, a cadeia temporária da Polícia Civil do Paraná.
O espaço foi desativado em 2023, após um acordo entre as secretarias estaduais da Segurança Pública e da Cultura, e agora passa a fazer parte do Projeto Cárcere, voltado à cultura, memória e direitos humanos. O projeto tem patrocínio do Instituto Humanitas 360 e a ocupação cultural tem parceria com a Defensoria Pública do Paraná, a Polícia Penal do Paraná (PPPR), o Instituto Médico Legal (IML) e a Comissão de Direitos Humanos da OAB-PR.
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A exposição recria, nas antigas celas do xadrez na região central de Curitiba, as condições do cotidiano das pessoas que cumprem penas de privação de liberdade. Entre as grades, latrinas e paredes frias, as fotos e outros elementos expográficos se ressignificam e criam um ambiente desconfortável, mas transformador, característica das grandes obras de arte.
A ideia da exposição é da diretora do MIS-PR, Mirelle Camargo, que disse ter pensado na mostra logo que assumiu a responsabilidade de incorporar o antigo espaço carcerário ao museu. “Recebi este espaço e percebi que não tinha como não falar de temas relacionados a direitos humanos, saúde mental e ressocialização. É mais do que uma exposição: é um legado de vida. Foi difícil e duro, mas está sendo acalentador.”
Para a montagem da expografia, Mirelle, que divide a curadoria com Alex Padilha, realizou pesquisas em diversos espaços de repressão transformados em centros culturais, como o Museu da Resistência (SP), o Museu do Carandiru, o Museu dos Carabineiros e até Alcatraz. “Dei os subsídios à arquiteta Pamela Santos, que desenhou exatamente o roteiro que pensei e idealizei, e assim cultura e memória coletiva ocupam um espaço antes reservado à dor e ao esquecimento”, disse.
A produção envolve nomes de peso da produção teatral, como o premiado iluminador Beto Bruel, responsável pelo projeto luminotécnico, o projeto sonoro é do maestro Otávio Camargo, e a cenografia de Muga Riesemberg e Elerton Alerta Bertrão.
As visitas são programadas em três horários diários de visitação – às 11h, 14h e 16h – com entrada em grupos, para permitir a percepção completa da proposta curatorial.
Projeto de Desumanização
O fotógrafo Erick Dau disse que o desafio de trabalhar documentando histórias de pessoas que têm seus direitos humanos violados exige um compromisso em fazer estas histórias se tornarem conhecidas para jogar luz sobre a realidade destas pessoas.
“Entrar no presídio não é fácil: você sente o cheiro, olha no olho de alguém, sente o tato, mas é necessário para trazer estas histórias para fora. A maioria das pessoas que foram fotografadas nunca sabe que existe esta exposição neste lugar, mas tenho certeza que, se elas soubessem, estariam celebrando essa pequena e quase significante restauração da sua humanidade.”
O trabalho da Agência Farpa, criada em 2017 e reconhecida internacionalmente por seu jornalismo visual, revela um panorama comum nas instituições prisionais da América Latina: superlotação, negligência, estrutura precária e frequente violação de direitos humanos. Por isso, Dau conta que as pessoas fotografadas não foram identificadas e tampouco os presídios nomeados. “Todos os presídios são parte de um mesmo projeto de desumanização”, resume um dos autores.
Desse Lado do Muro
Quanto: Entrada gratuita
Quando: As visitações serão feitas em três horários | 11h, 14h e 16h. A visitação em cada horário será limitada a 30 pessoas por ordem de chegada.
Onde: MIS-PR I Antigo Centro de Triagem – Rua Barão do Rio Branco, Curitiba