Por Flavio Jacobsen

Quando Lobão ainda dava um caldo, proferiu uma frase que definia com precisão a efervescência do cenário brasileiro dos anos 1990: “rock é coisa de país desenvolvido, primeiro mundo”.

Décadas antes, no final dos anos 1960, o jovem paulistano Gerson Conrad já havia somado à sua educação erudita — com direito a aulas de piano e violão clássico — os ventos do folk psicodélico que sopravam da Califórnia, nos Estados Unidos. Mais especificamente Crosby Stills and Nash, influência primordial na notável contribuição que daria à música brasileira, desde que conheceu João Ricardo até a formação do grupo Secos & Molhados, com a entrada de Ney Matogrosso.

Conrad — que também compunha — era o arranjador principal do trio no qual predominavam as composições de Ricardo e a voz principal de Matogrosso. Somando tudo isso a uma trupe de músicos de primeiríssima linha capturada de um musical no qual Ney trabalhava e cumpria temporada no teatro Ruth Escobar em 1972, nunca mais as coisas seriam as mesmas.

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Na noite da estreia em 1972, por acidente, devido a um atraso de Ney Matogrosso que não teve tempo de limpar a maquiagem que usava na peça, todos resolveram pintar a cara e entrar em cena, no bar anexo ao Ruth Escobar (a lendária Casa de Badalação e Tédio). Surgia ali uma lenda. Do impacto inicial de três caras rebolando e com a cara pintada até a lenga-lenga de ter “precedido o Kiss”, muita coisa se disse a respeito desse grupo sui generis.

O fato é que a música que produziram era revolucionária. Na pindorama ou na gringa, não havia nada sequer parecido. Seguiram-se dois discos que venderam um milhão e meio de cópias, chegando a esgotar a matéria prima utilizada para a produção de vinis (o ploricloreto de vinila – PVC) na Continental, gravadora pela qual a banda assinara contrato. E como rezam os resignados: o resto é história.

Até 1974, os Secos & Molhados lotaram ginásios de esporte Brasil afora. Foram ao México e preparavam uma turnê europeia e a invasão da América do Norte quando brigaram. Por grana. Um clássico. No caso, épico.

Ney saiu do grupo e teve meteórica carreira. João tentou reviver o velho grupo sem nunca chegar nem perto do êxito inicial, além de viver amargura total e não falar com seus ex-parceiros até hoje. E Gerson? Bem, Gerson Conrad veio parar em Curitiba, onde reside desde 2022.

Não é bem assim. Ainda em 1975, lançou seu primeiro álbum fora dos Secos & Molhados, em dupla com Zezé Motta (Gerson Conrad e Zezé Motta, Som Livre). Então deixa um pouco a música de lado e forma-se em Arquitetura. Em 1981, retorna com o cultuado Rosto Marcado (Warner).

Aí sim, Gerson foi cuidar da vida. Trabalhou em empreendimentos familiares alternando com a profissão de arquiteto e realizava apresentações esporádicas. Casou-se, teve filhos, separou-se. É a vida. Saiu do mainstream mais elevado ao underground mais profundo.

Só viria a presentear os fãs com um novo disco em 2018, quando lança Lago Azul, pela Deckdisc, e volta a se apresentar com banda em teatros de São Paulo e pelo Brasil. Gravou o EP O Fio do Meu Destino (independente, 2020). Escreveu e lançou ainda o livro Meteórico Fenômeno – Memórias de Um Ex-Secos & Molhados (Anadarco, 2013).

No final da década passada, Gerson reencontrou em Porto Alegre — após uma troca de e-mails quase acidental — um antigo amor da juventude, que abandonara em 1971, ainda no começo dos Secos & Molhados. Gisele mora em Curitiba desde aquela época, quando mudou-se à capital paranaense com a família. Daí não teve jeito. Gerson Conrad reside no alto do Batel e é possível vê-lo transitando pelo bairro entre cafés, cigarros e supermercado.

Nos conhecemos em 2022, quando fui convidado a mediar uma mesa de bate-papo com o músico e fãs, no restaurante Nina. E sempre nos encontramos quando vou ao Batel, entre outros cafés e vários cigarros, alguns vinhos e cerveja.

Gerson resolveu empreender novo trabalho na música e me pediu que lhe recomendasse um músico “para colocar ordem na casa”, em novíssima banda que recrutava. Outro nome não me veio à mente que não o gênio Therciano Albuquerque, pianista alagoano radicado há mais de quatro décadas em Curitiba.

Gerson Conrad chega a 2025 então com seu novo trabalho, Entre Amigos, um show no qual revisita todas as fases de sua carreira em composições como Delírio, a mitológica Rosa de Hiroshima  — parceria com Vinícius de Moraes — e Sangue Latino da fase dos Secos & Molhados. Destaque para as atuais Entre Amigos e Dessa Maneira (composta para a amada Gisele).

Ao que interessa: o show realizado para a imprensa no Estúdio Geração Pedreira, anexo ao Parque Jaime Lerner — em plateia reservada a algo em torno de trinta pessoas —, é envolvente, em pegada bluesy e folk, com direito a solos de guitarra (Bernardo Zampieri) e piano (Therciano), baixo (Cauê Flexa) e bateria (Leo Carolo) fortíssimos, além da excelente voz principal de Gerson, algo aveludada e cool.

Com “espírito de banda”, Conrad entrega o que vem faltando na nova música produzida no país: um show de pop-rock. O mesmo que ele ajudou a reinventar no início dos anos 1970, revive com boa tacada agora na segunda década do século 21. “Esse show é um reencontro com o público e comigo mesmo. Chamei de Entre Amigos porque é assim que me sinto com essa nova banda: cercado de talento, leveza e cumplicidade”, declara no início do espetáculo.

Entre Amigos estreia ao grande público no Guairinha, dias 20 e 21 de agosto. Um show inoxidável como o aço das cordas de suas guitarras elétricas. Afinal, Gerson Conrad, no passado, veio do futuro, como um Ziggy Stardust e sua banda.

No presente, revive o velho gosto pelo novo. Em Curitiba, no inverno. Entre vinhos e pinhões, à sombra das centenárias araucárias. Brindemos.

Entre Amigos – Gerson Conrad e Banda

20 e 21 de agosto

Guairinha

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