Com informações do Jornal da USP

“A intenção é incentivar a vontade dessa mulher submissa de ser livre, de revelar sua criatividade e suas potencialidades.” É assim que a professora Maria Luiza Tucci Carneiro, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, define o objetivo dos dois volumes de Mulheres Subversivas – Dentro e Fora da Ordem.

Di Cavalcanti, Mulatas, serigrafia offset sobre papel – Imagem: Reprodução/livro Mulheres Subversivas

Organizada por ela os livros foram laçados pela  lançada pela Editora Companhia de História, Pesquisa, Fotografia e Design.

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Com textos de 19 autoras e autores, a obra reúne estudos sobre brasileiras que desafiaram padrões e instituições entre os séculos 18 e 20. “Queremos mostrar que nós, mulheres, somos capazes de investir contra os estereótipos que continuam criando caos e alterando a sociedade brasileira”, acrescenta Tucci.

No evento de lançamento, a pesquisadora Sophia Faustino apresentará uma palestra sobre a artista Lucy Citti Ferreira (1911–2008), referência da pintura modernista em São Paulo.

Maria Bonita em meio ao bando de Lampião – Imagem: Reprodução/livro Mulheres Subversivas

O primeiro volume de Mulheres Subversivas reúne artigos sobre perseguições a cristãs-novas, prostitutas estrangeiras, alforriadas, judias e comunistas. As histórias mostram o peso dos estigmas enfrentados por mulheres que viveram à margem da ordem social e religiosa.

A historiadora Paula Ester Janovitch, por exemplo, analisa a prostituição estrangeira em São Paulo nas décadas de 1930 a 1950. Segundo ela, “regulamentar a prostituição seria reconhecê-la como profissão”, algo inaceitável “diante de uma sociedade que pouco espaço dava para as mulheres e mal saíra de um sistema escravocrata”.

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As “polacas”, mulheres de origem judaica vindas da Europa Oriental, foram especialmente atingidas por esse controle moral e policial. Já Maria da Graça Menezes Mourão e Enidelce Bertin tratam da resistência de mulheres alforriadas, que, mesmo sob tutela do Estado, “não baixavam a guarda” e buscavam autonomia.

Entre as personagens centrais do volume está Maria Bonita (1911–1938), retratada por Moacir Assunção como “talvez a única capaz de se contrapor a Lampião”.

Olga Benário, Pagu e outras vozes da desordem

No segundo volume, as mulheres subversivas ganham nome e rosto. Entre elas estão Olga Benário (1908–1942), militante comunista alemã executada pelo nazismo, e Patrícia Galvão, a Pagu (1910–1962), escritora e jornalista que desafiou tabus da sexualidade feminina.

Olga Benário, mulher revolucionária do século 20 – Imagem: Reprodução/livro Mulheres Subversivas

“A ideia é estudar o ativismo feminino e tirá-lo do limbo oficial da história, que é o limbo da memória”, disse Tucci ao Jornal da USP. Ela lembra que a exclusão das mulheres dos registros históricos é “um apagamento institucionalizado”, já que muitas imigrantes aparecem como “donas do lar” mesmo quando eram escritoras ou operárias.

O volume 2 também traz textos sobre Charlotta Adlerová, artista expressionista alemã reconhecida como precursora da propaganda brasileira, e sobre Isabel Cerruti (1886–1970), militante anarquista que defendia o amor livre e a emancipação econômica feminina.

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“Charlotta não por acaso é reconhecida como uma das precursoras da propaganda brasileira e a principal responsável pela profissionalização do ofício do desenho publicitário no Brasil”, escreve Luana Gonçalves Carvalho Fúncia.

Pagu, uma subversiva. Imagem: Reprodução/livro Mulheres Subversivas

Fora da ordem: o conceito de subversão

Inspirada por pensadores como Roger Chartier, Georges Balandier e Eric Hobsbawm, Maria Luiza Tucci Carneiro explica que a noção de “dentro e fora da ordem” busca “tornar públicos aqueles anônimos da história”. “Nem sempre a desordem cria o caos”, afirma. “A desordem altera uma realidade no sentido de trazer dias melhores, de inovar, de preparar a sociedade para dialogar com a diversidade.”

A professora lembra que o verdadeiro caos é criado pelos “estereótipos que alimentam os mitos machistas e suas versões racistas e discriminatórias”. Por isso, ela defende dar voz às mulheres “semi-invisíveis da história”, como forma de reconstruir uma memória coletiva plural e democrática.

Subversão até no design

A própria concepção gráfica dos livros reforça a ideia de desordem: nas capas, o nome da autora aparece invertido — “Tucci Luiza Carneiro Maria” —, e os títulos estão propositalmente desalinhados. A designer Milena Issler assina o projeto visual, que inclui xilogravuras femininas, literatura de cordel e obras de Lasar Segall e Candido Portinari.

Tucci planeja expandir a coleção: “A minha ideia é publicar artigos que mostrem a mulher no período da colonização, do século 16 ao 18, e abrir espaço para as mulheres operárias e ligadas às ciências exatas.”

Mulheres Subversivas – Dentro e Fora da Ordem, volumes 1 e 2

Organização: Maria Luiza Tucci Carneiro

Editora: Companhia de História. Pesquisa, Fotografia e Design

Preço: R$ 220

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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