“O grande acontecimento tem sua paisagem própria”. A observação de Nelson Rodrigues — o Pelé dos dramaturgos brasileiros — descrevia o Maracanã como palco óbvio do milésimo gol do Rei do futebol em 1969. No campo das artes dramáticas, no Brasil, o equivalente ao Maracanã é o Teatro Guaíra, em Curitiba. A reputação foi construída ao longo de 50 anos, graças à arquitetura imponente de seus 2,2 mil lugares e ao fato de ser como o estádio palco e personagem de glórias e tragédias.
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O Guairão, como é chamado em Curitiba, venceu no último domingo a categoria de Melhor Casa de Espetáculos do Brasil no Prêmio Cenym 2025, concedido pela Academia de Artes no Teatro do Brasil (ATEB) em Aracaju, no Sergipe. O Cenym é uma das principais premiações das artes cênicas, e sua avaliação considerou a qualidade técnica da casa, sua programação e sua contribuição para a cena nacional. Em 2024, o Teatro Guaíra recebeu mais de 413 mil pessoas.
A atual encarnação do Teatro Guaíra resulta de 140 anos de evolução do fazer teatral no Paraná. O primeiro ato começa em 1884 com a inauguração do Theatro São Theodoro, na Rua Nova. A cidade ainda era iluminada a lampião, mas já tinha vida cultural ativa desde meados do século XIX. O São Theodoro, com fosso para orquestra e iluminação precária, tornou-se palco central, embora tenha vivido episódios dramáticos. Em 1894, foi convertido em presídio durante a Revolução Federalista, o que danificou suas estruturas.
Reformado, o teatro foi reaberto em 1900 como Theatro Guayra. Agora iluminado por eletricidade, tornou-se referência por três décadas. Companhias importantes, como a Sociedade Teatral Renascença, dirigida por Salvador de Ferrante, reforçaram sua vocação artística. A morte do ator, em 1935, somada aos problemas estruturais, levou à demolição do prédio em 1937. Curitiba ficou quase 20 anos sem um teatro oficial.
O novo Guaíra começou a ser gestado no pós-guerra. Em 1951, o governador Bento Munhoz da Rocha Netto incluiu o projeto nas obras do centenário do Paraná. O concurso arquitetônico deu origem ao edifício modernista que ocupa o quarteirão da Praça Santos Andrade. O Guairinha foi inaugurado em 1952. O Guairão, após incêndio que atrasou as obras, abriu em 1974. O Miniauditório chegou em 1975, completando o complexo.
Desde então, o Teatro Guaíra consolidou-se como a maior casa de espetáculos do Paraná e uma das mais importantes do país. O espaço formou gerações de artistas, técnicos e criadores e mantém ingressos populares e circulação ativa de seus corpos artísticos.
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O teatro é a grande casa do Festival de Curitiba desde 1995, quando recebeu a primeira peça do festival: Don Juan, dirigida por Gerald Thomas e estrelada por Ney Latorraca e Fernanda Torres. Em 2025, Débora Falabella fez o “Maracanã dos teatros” (foto acima) tremer com sessões lotadas do monólogo Prima Facie. E a partir de 30 de março de 2026 tem mais história para ser feita.

