O grande assunto cultural no mundo nos últimos dias é a volta do Oasis.

Gosta-se deles ou não, a banda dos irmãos Gallagher foi uma das últimas gigantes de uma era em que a música ainda estava no centro da cultura pop.

Assim, a parte do mundo que acha isso importante comoveu-se ao saber que, após 15 anos de uma treta aparentemente irreconciliável, os “broders” Liam e Noel se acertaram, sabe-se lá em que termos.

Se fizeram as pazes no balcão de um pub ou foram seus advogados que acertaram o acordo ad-hoc para uma grande turnê de arrecadação para a aposentadoria de ambos, fato é que os caras estão de volta ao jogo.

Os detalhes sobre um novo álbum e tudo mais, serão divulgados ao longo desta terça-feira (27).

Já temos, contudo, confirmada a primeira perna da turnê de retorno: em princípio, 14 shows pelo Reino Unido e Irlanda no verão do ano que vem. Mas é lógico que essa rota de shows deve se ampliar em escala global e eles voltarão ao Brasil.

Uma viagem inevitável que certamente vai mexer num trauma da banda quanto ao país do Carnaval. Pois cumpre lembrar que uma mini turnê no Brasil em 2009 foi fundamental para que o Oasis desintegrasse. O evento que precipitou o fim da banda que vinha “salvar o rock”, aliás, aconteceu aqui pertinho do meu home office.

O Amor Acaba

Antes, vale dizer que a vida não é assim tão simples. Quem já esteve envolvido em alguma relação duradoura sabe que um dia tudo muda e acaba. O grande cronista Paulo Mendes Campos ensinou que até um grande amor pode acabar subitamente “num sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina”.

Em geral, ainda que estas coisas não tenham fórmula pronta, não basta apenas um evento para dar fim ao que nasceu para ser eterno. Na maioria das vezes, é um processo que vai recrudescendo até o dia em que cai a proverbial “gota d’água” no copo que já estava “até aqui de mágoa”.

Show do Oasis na Arena Expotrade| Foto: @Antonio Costa/Gazeta do Povo/Reprodução

No caso do Oasis, o gim-tônica entornou depois de um show em Pinhais, na região metropolitana de Curitiba em 2009. Era um domingo à noite, Dia das Mães, e fazia um frio da porra. A produção anunciou o show na “Arena Expotrade”, mas, no fundo, o palco foi erguido num estacionamento de uma rede multinacional de hipermercados.

Era a turnê do álbum Dig Out Your Soul, de 2008, e mesmo os fãs sabiam que não era a grande fase da banda. O Oasis vinha de um show difícil em São Paulo na véspera, quando algumas latas foram jogadas em Noel Gallagher, que ficou, com razão, emputecido. Veio, enfim, o show no subúrbio curitibano, e a expectativa era de um público de 20 mil pessoas.

Quem, como eu, estava lá estima que tivemos 20% disso, se muito. Somado ao cenário insólito, formava-se um quadro não tão bonito, nem empolgante. Procurando material da época, vi que o preço dos ingressos era de R$ 160 para a pista e salgados R$ 400 para a área VIP.

Show do Oasis na Arena Expotrade| Foto: @Antonio Costa/Gazeta do Povo/Reprodução

Corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor (FGV) para valores atuais, seriam R$ 400 e R$ 1.000 reais, mas a lei da oferta e da procura é implacável. Lembro que comprei um ingresso de pista por 10% do valor na mão de um cambista desesperado e logo a produção resolveu romper a barreira que separava os VIPs dos mortais — algo sempre emocionante — e assim eu cheguei no gargarejo pelo preço de duas cervejas.

Desabafo no Myspace

Shows com pouco público são ótimos para fãs e péssimos para produtores. Do palco, Noel certamente não gostou do que viu, pois dias depois ele escreveu no Myspace (quem lembra do Myspace?) mostrando quão desencantado estava com o rumo da carreira:

“Que dia louco! Acordei às 11h45. Isso por si só já foi doido. Nunca dormi tanto desde 1998, em Paris, se não me engano. Tá DANDO NO SACO A CHUVA e o céu tá negro, talvez não negro, mas cinza, muito cinza. Curitiba foi ótimo. O show foi, de qualquer forma. Não entendo o que estamos tentando provar quando tocamos em um lugar como aquele e como este de Porto Alegre.

Por que não fazer apenas dois puta shows no Rio e em São Paulo [sic]? Se todo mundo na Argentina pode viajar para Buenos Aires para integrar uma das melhores noites de todos os tempos (não tô brincando, você deveria estar lá!), não entendo por que tem que ser diferente no Brasil.

São os fãs que saem perdendo, na minha opinião. Montar um palco no terreno de um estacionamento não se compara com o barulho e as cores de um estádio. Mesmo assim, os shows são ótimos. Poderiam ser melhores, entretanto.

Bom, chega disso. E com vocês, o que tá rolando? Como eu disse, estou em Porto Alegre, esperando a passagem de som. Na chuva. Esperando ansiosamente para ir pra casa amanhã.”

O registro e a tradução são do indispensável site Omelete. Leia a reportagem completa aqui.  Três meses e muitas tretas depois, veio o anúncio que Noel decidiu sair e a banda acabou.

Faltou a Pedreira?

Aparentemente, a turnê do Oasis no Brasil precipitou o fim e o show em Pinhais foi a hora em que Noel decidiu: “chega dessa bosta”.Na época, eu liguei esses pontos e pensei que se a Pedreira Paulo Leminski não tivesse sido fechada em agosto de 2008, o Oasis talvez tivesse, pelo menos, adiado o seu fim.

Curitiba ficou seis anos sem a Pedreira por conta de uma ação movida pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR) em nome de moradores da região, que reclamavam do som alto e de confusões durante os shows.

Ela só reabriu em 2014 para ser a sede da Fan Fest da Copa do Mundo. Quatro anos depois, Noel fez ali um showzaço nas regras da arte. Nem ele, nem ninguém teve nada a reclamar daquela noite, pelo contrário. Veja acima o registro no canal do site CWB Live.

A volta em outro mundo

A questão é que o Oasis está de volta num mundo muito diferente daquele que existia quando eles brigaram. Da indústria fonográfica comandada por algoritmos até o futebol que eles tanto gostam, tudo mudou muito. O star system que eles conheceram não existe mais, o que não é exatamente ruim, só diferente.

O Manchester City, time do coração dos Gallagher, foi comprado pelo governo do Qatar e o esporte hoje é só um acessório no grande negócio mundial das apostas esportivas, só para dar uma ideia de como as coisas andam.

Mas assim é a vida. Todo cambia, como diz a Mercedes Sosa. E no showbiz todo mundo ama uma comeback story. Voltar por cima é sempre melhor que decair na frente de todos. Foi deste jeito, portanto, que o Oasis enfim superou Pinais e está de volta.

Eu aposto em shows emocionantes com recordes de público numa histórica turnê mundial. A insolência rocker dos Gallagher juntos fez falta nos últimos e a nós resta agora apenas ver que bicho vai dar.

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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