Criado em 1992, o Festival de Curitiba demorou três anos para chegar ao Teatro Guaíra. Uma questão de conjuntura política que até podia fazer algum sentido na época, mas hoje em dia pouca gente entenderia.
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Certo é que o festival, que nasceu junto com um teatro, a Ópera de Arame — construída especialmente para a peça de abertura do primeiro festival — precisou esperar três edições para “jogar no Maracanã” da cultura local.
O debut no complexo de salas do Teatro Guaíra — que está completando 140 anos nesta semana — só aconteceu na 4ª edição do então Festival de Teatro de Curitiba, em 1995.
Logo na abertura daquela edição do festival, a peça Yerma, de García Lorca, foi montada no auditório Salvador de Ferrante, mais conhecido como Guairinha, com Clarice Niskier no elenco e direção de Eduardo Wotzik.
Ao mesmo tempo, na Ópera de Arame, estreava a comédia Repétition, com Flávio de Souza, Xuxa Lopes e Elias Andreato, e foi essa montagem que o então governador Jaime Lerner decidiu assistir naquela segunda-feira.
O Guairão
A grande expectativa, contudo, era com a primeira peça no Guairão, até porque era um espetáculo muito aguardado pela crítica especializada que havia vindo a Curitiba especialmente para vê-lo, pois reunia uma equipe altamente promissora.
O texto era de Otávio Frias Filho, que, apesar de sua posição como publisher do maior jornal do país — numa época em que os jornais eram muito importantes — estava em uma trajetória ascendente como dramaturgo.
O texto Don Juan, uma adaptação da história do famoso conquistador, que, na versão de Frias, se chamava Tenório, um ginecologista envolvido com uma vasta galeria de tipos femininos. O ponto de partida era um incidente romântico que deixava o protagonista impotente.
A partir daí, ele seguia os conselhos de um amigo em busca de cura. A cena inicial, com uma exame ginecológico, ainda é bastante lembrada pelo público presente em 1995.
Dream Team
No elenco, o personagem central era Ney Latorraca, que vinha de sucessos estrondosos no teatro (O Mistério de Irma Vap) e na TV com a novela Vamp.
Também faziam parte do elenco Fernanda Torres — que logo em seguida estaria nos cinemas com o filme Terra Estrangeira, um dos símbolos da retomada do cinema nacional —, Vera Zimmermann e outros atores.
Na direção, Gerald Thomas, grande nome da sua geração no teatro nacional após uma década de produções inovadoras, rumorosas e, muitas delas, geniais. Era uma peça que tinha tudo para dar certo, mas que não confirmou os melhores prognósticos.
A julgar, pelo menos, pelos textos da crítica publicados nos jornais da época. A mais impiedosa delas, curiosamente, foi publicada na Folha de S. Paulo pelo articulista Nelson de Sá, que não poupou críticas, nem mesmo ao seu chefe.
“Don Juan” prometia uma reunião quase ideal, alimentava uma expectativa imensa, até que chegou o dia da estreia, sucessivamente adiada. A frustração, porém, foi proporcional à expectativa. Não parecia ter existido diálogo entre as partes, não havia liga. Autor, ator e diretor cederam, fizeram concessões, principalmente os dois primeiros, mas não aconteceu o encontro, a unidade esperada”, escreveu.
O mesmo Nelson de Sá que reconheceria, semanas depois, quando a peça cumpriu temporada em São Paulo, que o espetáculo mudou e evoluiu, sem, contudo, poupar críticas pesadas a Thomas, o que era um esporte muito praticado pela imprensa brasileira da época.
“Don Juan começou desastrosamente, melhorou no segundo fim de semana e pode estar ainda melhor neste que é o terceiro. É a forma de trabalho de Gerald Thomas, que usa o público como cobaia, abrindo o espetáculo com pouco ensaio e deixando os ajustes para a temporada. É irritante, sobretudo para quem vai à estreia”, ralhou Sá.
De qualquer forma, Otávio Frias Filho colocava a peça na conta de seus fracassos como autor, o que talvez fosse exagero de autocrítica do autor.
Duas notas curiosas
No primeiro ano do Real como moeda nacional e com o controle da inflação depois de décadas de caos na economia, o 4º Festival de Teatro de Curitiba custou R$ 600 mil, segundo os organizadores Victor Aronis, Leandro Knopfholz e Cássio Chamecki. Cerca de 20 mil pessoas assistiram às 17 peças, o que, para a Curitiba de 30 anos atrás, não estava nada mal.
Naquele festival, no espetáculo O Livro de Jó, uma adaptação de Luís Alberto de Abreu com direção de Antônio Araújo e montagem da companhia Teatro da Vertigem, aconteceu a estreia de um ator chamado Matheus Nachtergaele. Mas isso já é outra história…