Inspirada nos contos e nas cartas trocadas por Dalton Trevisan com outros escritores, Daqui Ninguém Sai, peça dirigida por Nena Inoue, é a primeira atração confirmada na Mostra Lucia Camargo do Festival de Curitiba de 2025.
-
Leia Também: Como foi a estreia da peça Nebulosa de Baco
A montagem é uma produção do Teatro de Comédia do Paraná (TCP) para a qual foi aberto um edital de chamamento público do Centro Cultural Teatro Guaíra em que se inscreveram 288 profissionais.
Após a seleção, 12 atores e atrizes serão contratados para integrar o espetáculo que estreia durante a 33ª edição do Festival de Curitiba que ocorrerá entre os dias 24 de março e 6 de abril do ano que vem.
A partir da obra do maior contista brasileiro, a dramaturgia da peça está sendo concebida pela diretora e por Henrique Fontes, autor e diretor potiguar, parceiro de Nena na peça Sobrevivente. Dalton, que vai completar 100 anos em 2025, também participou, à sua maneira, do processo de criação do espetáculo.
Nena conta que, através de mensagens enviadas por Fabiana Faversani, gestora da obra do escritor, ele deu algumas sugestões de textos seus que podiam servir à dramaturgia e, inclusive, sugeriu o nome: Daqui Ninguém Sai.
“É um título de um conto muito bom que tem tudo a ver com o universo da peça que estamos criando. Eu e o Henrique estamos trabalhando no texto. Como não se pode mexer nos contos, em geral faz-se um recorte: Dalton e a cidade. Dalton e a violência. Nós estamos indo por outro caminho”, explica Nena.
Mas, afinal, qual Dalton vai ao palco?
“Eu quero chamar um público jovem. Gente que nunca leu Dalton, que não sabe quem ele é. Que não tem o hábito de ler ou comprar livros. Não vamos falar do Nelsinho tocando punheta porque viu um pedaço de perna de mulher, da repressão sexual. Nosso Dalton é o do século 21, que fala das trans, que fala do crack, que fala do viado na cadeia que está feliz da vida dando pra todo mundo lá dentro”, conta Nena.
Outra certeza é que Curitiba será protagonista. A cidade é muito mais do que um cenário em toda a obra do escritor curitibano e a montagem do TCP busca manter essa dimensão. “O mais louco é que é o Henrique quem está escrevendo, e ele é de Natal e a obra do Dalton é muito curitibana. Mas está ficando demais, pois o Dalton é o cara”, disse Nena.
Teatro de Comédia do Paraná
A nova montagem do Teatro de Comédia do Paraná (TCP) também celebra a trajetória de mais de seis décadas do projeto iniciado em 1963. O primeiro diretor do TCP foi Cláudio Corrêa e Castro e a peça de estreia foi ‘Um Elefante no Caos’, de Millôr Fernandes.
Corrêa e Castro teve como assistente de direção Glauco Flores de Sá Brito, que hoje dá nome ao Miniauditório do Teatro Guaíra. No elenco estavam Paulo Goulart, Nicete Bruno, Lala Schneider e José Maria Santos. Desde então, foram mais de 70 espetáculos produzidos pelo TCP e mais de 1,5 mil artistas contratados.
Em 1974, foi o TCP que inaugurou o Auditório Bento Munhoz da Rocha Netto (Guairão) com a peça Paraná, Terra de Todas as Gentes, de Adherbal Fortes e Paulo Vítola, com direção de Maurício Távora. Porém, a última montagem com o mesmo formato de seleção, TodoMundo, com direção de Rodrigo Portela, não chegou a estrear, pois começaria na semana em que o teatro fechou as portas devido à pandemia, em 2020.
O diretor artístico do Teatro Guaíra, Áldice Lopes, comemorou a participação expressiva dos artistas no edital de Daqui Ninguém Sai. “Foram quase 300 inscritos, ficamos imensamente felizes porque tivemos uma alta receptividade”, disse.
-
Leia Também: Mostra XXX: o Festival de Curitiba só para maiores
Nena e Dalton
Esta não é a primeira vez que Nena usa a literatura de Dalton no teatro. Em 1990, ela atuou como atriz na primeira peça que dramatizou a obra de escritor, Mistérios de Curitiba, com direção de Ademar Guerra.
Nena e Guerra também trabalharam juntos em O Vampiro e a Polaquinha, de 1992, um grande sucesso da história do teatro paranaense que permaneceu seis anos em cartaz, com apresentações no Teatro Guaíra e Teatro Novelas Curitibanas, em Curitiba, além de itinerâncias pelo Paraná e São Paulo.
O Teatro Novelas Curitibanas, aliás, ganhou este nome como uma homenagem indireta a Trevisan. “Ele se chama assim porque é uma alusão ao livro Novelas Nada Exemplares. Na época, o Ademar Guerra teve a ideia da homenagem e foi apoiado pela Lucia Camargo, então presidente da Fundação Cultural de Curitiba”, conta Nena . Paranã e Inferninho Cabaré foram outras duas montagens de inspiração daltoniana levado aos palcos por Nena e seu companhia Espaço Cênico.
“A gente sabe como o Dalton é tímido e avesso a exposição pública, mas como ele já me conhecia desde Mistérios de Curitiba, sempre tive um canal aberto para uma troca com ele e acho que foi por isso que ele autorizou essa montagem do TCP”, afirma.
Para Nena, o centenário de Dalton será um momento histórico em que toda a cultura nacional vai olhar para Curitiba. “É uma coisa extraordinária. Ele é o artista que traduz o nosso território, que dá vida e voz aos nossos invisíveis há quase 80 anos. Ele é um dos maiores escritores do mundo em todos os tempos. É muito importante celebrar seu centenário com ele vivo, lúcido e ativo”.
Um espectador
Nena conta uma história dos bastidores do teatro para ilustrar como a fama de recluso, ainda que justificada, também esconde a tímida e humilde elegância de Dalton Trevisan.
“Quando fizemos Pico na Veia, com direção do Marcelo Marchioro, eu estava na direção artística do Guaíra. O Dalton foi assistir ao ensaio geral e sentou-se sozinho na plateia. Uma cena fantástica; havia um único espectador no Guairão e era Dalton Trevisan”, lembra Nena.
Ela conta que desceu para cumprimentá-lo e ele pediu que ela se sentasse ao seu lado durante o restante do ensaio. Ela lembra de Dalton acompanhando com um quieto entusiasmo, como se não conhecesse o texto. Quando acabou, ele virou-se para Nena e disse: ‘Se eu não fosse o autor, aplaudiria de pé’.”
Lista de Peças Teatrais que adaptaram textos de Dalton Trevisan:
Mistérios de Curitiba, 1990, direção de Ademar Guerra
O Vampiro e a Polaquinha, 1992, direção de Ademar Guerra
O Ventre do Minotauro, 1998, direção de Marcelo Marchioro
Pico Na Veia, 2005, direção de Marcelo Marchioro
Educação Sentimental do Vampiro, 2006, direção de Felipe Hirsch
Macho Não Ganha Flor, 2009, direção de João Luís Fiani
Receita de Curitibana, 2014, direção de João Luís Fiani
Paranã, 2015, direção de Nena Inoue
Inferninho Cabaré, 2016, direção de Nena Inoue