A atuação de Yara de Novaes no papel-título do filme Malu é o ponto alto da cordilheira de muitos picos que tem sido a carreira da atriz e diretora mineira nos últimos cinco anos. Yara ganhou ontem (13) o Prêmio Redentor de melhor atriz do Festival do Rio pela destemida construção da personagem da atriz Malu Rocha (1947-2013).

O papel é o centro gravitacional do filme, que também ganhou alguns os principais prêmios do evento carioca. Malu, dirigido por Pedro Freire, ganhou o  Redentor de Melhor Longa de Ficção – prêmio dividido com Baby, de Marcelo Caetano – e o de melhor roteiro. As duas atrizes que contracenam com Yara, Juliana Carneiro da Cunha e Carol Duarte, também dividiram o prêmio de melhor atriz coadjuvante.

Equipe de Malu recebe o Troféu Redentor de Melhor Filme de Ficção. Foto: Christian Rodrigues/Festival do Rio

O longa-metragem estreou no Festival de Sundance e passou por outras mostras internacionais antes de chegar ao Festival do Rio. Após a exibição do filme no Cine Odeon no último dia 11, o diretor – que é filho de Malu Rocha – se ajoelhou para agradecer a atuação da atriz no papel de sua mãe.

A atriz, elegantemente agradeceu e falou do desafio de construir o papel a partir das memórias de Pedro, mas sem imitar Malu. “Apesar de ser uma memória, também é uma memória falsificada, como toda memória, principalmente uma memória que vai para a arte”, disse.

A Malu que Yara leva à tela é uma mulher artista impetuosa, explosiva e insubmissa, cheia de carisma e pulsão de vida, ainda que em alguns momentos ande por uma sombra profunda.

Se a atriz Yara de Novaes chegou ao topo do cinema nacional, sua atuação como diretora teatral não fica para trás. Seus dois trabalhos mais recentes foram, ambos, Lady Tempestade e Prima Facie indicados ao Prêmio Shell de melhor direção.

“Eu fiquei muito feliz, porque são duas direções de dois monólogos, com duas atrizes incríveis, que são a Andréa Beltrão e a Débora Falabella. Reconhecer o papel do diretor em um monólogo é uma coisa muito rara e bonita. Para mim, quer dizer que eu estive com elas em diálogo, em corpo a corpo, e eu tenho muito orgulho do que fizemos nos dois trabalhos”, disse Yara em entrevista exclusiva ao Fringe.

A atriz e a diretora

Yara conta que suas facetas de atriz e a diretora convivem o tempo todo. Ela não se desliga de uma função para assumir a outra. “Eu costumo falar que a artista que eu sou é uma interseção, na verdade, não é lá nem cá, é tudo ao mesmo tempo. É claro que eu vou me modulando de acordo com as funções, mas eu acho que sempre estou pensando sobre a atuação, sempre pensando sobre a comunicação artística, poética, em qualquer instância”, disse.

Yara de Novaes é exemplo de “mulher artista produtora” do teatro brasileiro. Foto: Divulgação

“Assim, quando sou atriz, evidentemente, tenho ali uma subordinação ou, pelo menos, um diálogo mais coordenado com a direção, mas acho que, de alguma maneira, meu pensamento como atriz também está influenciado pelo meu pensamento como diretora”, completa.

Mulheres Artistas Produtoras

Mineira de Belo Horizonte, Yara de Novaes gosta de se posicionar dentro de uma tradição da “estirpe das mulheres artistas produtoras”. “No teatro brasileiro, sobretudo, tivemos várias companhias em que as mulheres que eram as cabeças. Em arte, de alguma maneira, sempre fomos muito realizadoras. Aquela coisa de vamos fazer os trabalhos que queremos, não vamos esperar sermos convidadas”, disse, citando exemplos de Cacilda Becker, Dulcina de Moraes, Bibi Ferreira e Maria Della Costa.

“Todas essas mulheres tiveram suas companhias. Por muito tempo, elas se produziram, e a gente continua: a própria Andréa Beltrão, a Marieta Severo, a Débora Falabella estão se produzindo agora e sempre com suas companhias. Isso é muito importante, porque, querendo ou não, é um jeito de conseguirmos escrever também o que queremos.”

Yara de Novaes dirigiu e atuou na peça Ricardo III no ano 2000. Foto: Guto Muniz

A própria Yara já fundou e participou de de três companhias de teatro: Grupo Teatral Encena e Odeon Companhia Teatral, em Belo Horizonte e  o Grupo 3 de Teatro, em São Paulo. “Nelas pude me experimentar em diversos papéis, nelas me formei como diretora e tive grandes parceiros e parceiras”, disse.

Foco Amarelado

Ela conta que se tornou artista por influência familiar. Seus pais e irmãos a ensinaram que a vida sem arte, não fazia sentido. A escolha da profissão foi tomada aos 14 anos, depois que a irmã Denise a levou para assistir a um espetáculo na PUC de Minas Gerais. Lá, ela viu uma atriz (que, infelizmente, não sabe dizer quem era), num foco amarelado, feito por um refletor ordinário, “mas que conseguia, sozinha, criar matéria, energia, espaço e tempo”.

Yara decidiu que era isso que iria fazer na vida. Alguns anos depois, em 1982, entrou como bolsista na oficina de teatro de Pedro Paulo Cava e nunca mais deixou de trabalhar com aquilo que a “salvou, libertou, soltou, melhorou.”

Em cena da peça Mão na Luva, de Oduvaldo Vianna Filho, em 1994. Foto: Guto Muniz

Artisticamente, ela conta que foi muito influenciada pelo movimento de teatro mineiro dos anos 1970 de nomes como o Grupo Galpão, Carmen Paternostro e Ione de Medeiros. A atriz estreou na direção em 1989 e desde então já foram dezenas de peças. E outras dezenas de prêmios até chegar à peculiar condição de concorrer contra si mesma ao laurel mais importante do teatro nacional.

Para Yara de Novaes, contudo, a maior recompensa é ver aumentar o volume e a qualidade do trabalho da sua “estirpe”. “No teatro e no audiovisual, tem aumentado o número de mulheres realizadoras. É muito importante que a gente escreva sobre nós, ou não necessariamente sobre nós, mas que tenhamos uma perspectiva nossa sobre o mundo.”

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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