Morreu aos 79 anos, o poeta e compositor Antônio Cícero. Escritor e autor de várias canções de sucesso, muitas delas em parceria com a irmã, a cantora Marina Lima. Segundo a Academia Brasileira de Letras, da qual era membro desde 2017, ele faleceu na Suíça, nesta quarta-feira (23), por meio de procedimento de morte assistida.
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Antônio Cícero Correia Lima nasceu no Rio de Janeiro em 1945. Filho do economista Evaldo Correia, nasceu no Rio de Janeiro em 1945. Na adolescência, morou em Washington, acompanhando a família por conta da carreira do pai, o que lhe deu acesso a um universo cultural e intelectual amplo, que seria essencial para sua formação posterior.
Formado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Cícero continuou seus estudos no exterior, especializando-se em grego e latim na Georgetown University, nos Estados Unidos, e no University College London, na Inglaterra.
Ao longo de sua trajetória, Cícero foi talentoso em diferentes áreas. Na música, foi parceiro de grandes nomes da MPB, como Gilberto Gil, Adriana Calcanhoto, e, claro, sua irmã Marina Lima, com quem compôs sucessos que marcaram gerações. Sobre sua atuação como letrista, o poeta explicou:
“Nunca achei que o fato de ser letrista me atrapalhasse o percurso de poeta. Há uma diferença básica: para escrever letras eu dependo sempre de outras pessoas. Eu não faço música, não componho, não sei cantar.” Essa visão era complementada por uma reflexão crítica sobre a indústria musical e a natureza da poesia: “A música, para mim, envolve muitas outras pessoas, não é uma atividade solitária como a poesia. Há algo de vulgar, sim, na música, pois ela é uma atividade ligada à indústria.”
Cícero publicou diversos livros de poesia e ensaios filosóficos, com destaque para o volume de poesias “Guardar” (1996) e o livro de filosofia “O Mundo Desde o Fim” (1995), no qual discute o conceito de modernidade. Além disso, participou ativamente de eventos e ciclos de debates sobre estética e filosofia, sendo reconhecido como uma das vozes mais sofisticadas e eruditas da cultura brasileira contemporânea. Em uma de suas palestras mais emblemáticas, afirmou: “Um poeta que acredita que todos os poemas ou todos os textos se equivalem […] não tem porque produzir uma obra nova.”
Entre seus feitos acadêmicos e artísticos, Cícero dirigiu projetos inovadores, como o “Banco Nacional de Ideias”, ao lado de Wally Salomão, em 1993, que reuniu intelectuais de renome mundial, incluindo nomes como João Cabral de Melo Neto, Haroldo de Campos e Richard Rorty. Também atuou como curador e organizador de diversos ciclos de palestras, colaborando com personalidades de diferentes áreas do conhecimento. Sua obra sempre esteve permeada por um profundo diálogo entre poesia, filosofia e música.
A contribuição de Cícero para a MPB não pode ser subestimada. Entre os muitos sucessos que compôs, destacam-se canções icônicas como “Fullgás” e “Pra Começar”, ambas interpretadas por Marina Lima. Suas composições são conhecidas pela complexidade lírica e pela forma como abordam temas existenciais e emocionais de maneira acessível ao público. A canção “À Francesa”, parceria com Cláudio Zoli e gravada por Marina, tornou-se um dos maiores hits da década de 1980.
Cícero também participou ativamente do cenário literário e acadêmico. Em 2001, teve poemas incluídos na antologia “Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século XX”, organizada por Ítalo Moriconi. Em 2017, sua eleição para a Academia Brasileira de Letras foi amplamente celebrada, e ele assumiu a cadeira número 27 com um discurso que reafirmava seu compromisso com a poesia e a cultura. “O cânone pretende ser o conjunto das obras modelares, exemplares, imortais. Ele é tanto mais perfeito quanto mais perto disso chegar”, afirmou Cícero em sua posse.
Além de sua carreira literária e musical, Antônio Cícero sempre foi um pensador crítico e engajado. Em seus ensaios, abordou questões como a relação entre poesia e música, o relativismo cultural e o papel do poeta na sociedade contemporânea. “A letra que no embate com o mundo real pode ser transformada, às vezes, é tão poderosa quanto o poema que escrevo sozinho”, dizia ele, refletindo sobre o poder da palavra em suas diferentes formas.
O poeta fez um procedimento de eutanásia assistida na Suíça, onde a prática é legalizada. “Como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo. Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade”, escreveu, em carta deixada a seus amigos.