Suíça, Alemanha e Inglaterra. Em meados dos anos 1940, três jovens saíam de seus países de origem devido à Segunda Guerra Mundial, iniciando trajetórias que as levariam, décadas depois, às aldeias indígenas do Brasil.
As fotógrafas Claudia Andujar, Lux Vidal e Maureen Bisilliat penetraram nas terras Parakanã, Xikrin, Xingu e Yanomami, capturando imagens singulares dos povos locais. Cerca de 300 dessas imagens são exibidas na exposição Trajetórias Cruzadas, em cartaz até 23 de fevereiro de 2025 no Centro MariAntonia da USP.
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“Para essas três mulheres, a fotografia foi uma forma de estabelecer contato com a população brasileira. Apesar de falarem várias línguas, elas não falavam português quando chegaram aqui. Então, foi também uma forma de comunicação muito eficiente”, afirma a antropóloga Sylvia Caiuby Novaes, professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, curadora da mostra, que além das fotos traz também revistas, desenhos e um vídeo.
A exposição ocupa três salas do Centro MariAntonia. A primeira delas, intitulada Início, apresenta fotos da trajetória pessoal de Andujar, Vidal e Bisilliat. São imagens que remontam à infância e juventude das três fotógrafas, vividas em terras estrangeiras, e fotografias do começo das suas carreiras profissionais. Nessa parte da mostra estão, por exemplo, as fotos de Claudia Andujar e Maureen Bisilliat para as revistas Life, Quatro Rodas e Realidade, da época em que elas se dedicaram ao fotojornalismo.
A segunda sala, chamada Outros Viveres, destaca as produções mais aclamadas das três fotógrafas, reunindo fotografias das aldeias indígenas visitadas por elas. Imagens de um incêndio no Xingu, feitas por Andujar em 1976, estão ao lado de fotos da estrutura de uma oca em construção, de autoria de Bisilliat, e de retratos de indígenas obtidos por Vidal, nunca antes expostos ao público.
Na terceira sala da exposição, Encontros, é exibido o vídeo Aqui é o Mundo, produção de 2023 dirigida por Maíra Bühler. Com oito minutos de duração, o filme mostra as três fotógrafas conversando, enquanto manuseiam fotografias feitas em viagens pelas aldeias indígenas.
“Boa parte das fotos expostas foi captada no final dos anos 1960, nos 1970 e, no máximo, até 1980. É um paraíso o que elas retratam, algo muito diferente do que existe hoje: as aldeias, as crianças, a ornamentação corporal, tudo”, explica Sylvia Novaes, que é fundadora do Laboratório de Imagem e Som em Antropologia (Lisa) da FFLCH.
O projeto de pesquisa que deu origem à exposição – e também ao site Fotografias e Trajetórias – começou em 2019, mas a ideia veio ainda antes: em 2015, a professora viu Andujar, Vidal e Bisilliat de braços dados em uma caminhada, e se interessou pelas trajetórias que as uniam. As imagens expostas fazem parte dos acervos Instituto Moreira Salles (IMS), do Lisa, de Lux Vidal e da Galeria Vermelho.
A descoberta de um Brasil escondido
Hoje nonagenárias, Andujar, Vidal e Bisilliat viveram experiências únicas em suas expedições, que se encontram no propósito de mostrar um Brasil escondido. Além das coleções sobre indígenas, estão expostas fotografias de famílias sertanejas e ribeirinhas.
As três fotógrafas desenvolveram uma sensibilidade no olhar que faz a professora Sylvia Novaes citar o fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson (1908-2004): “Fotografar é colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração”. “Embora todo mundo possa fotografar hoje com o celular, é diferente se você procura uma maior sensibilidade para o ato fotográfico”, afirma a professora. “É isso que elas têm e é isso que você vai ver na exposição. Tanto os artistas quanto os cientistas, para poderem efetivamente observar, têm que estranhar.”
A atuação das fotógrafas, muito além de preservar um passado apagado, foi política. A professora explica: “Na época do regime militar, Cláudia Andujar foi expulsa da área Yanomami, que, dentre as áreas indígenas pesquisadas por elas, era a maior e mais cobiçada. Os militares tinham o objetivo de ocupar a Amazônia, impedindo que as terras indígenas fossem demarcadas. Tanto a Cláudia Andujar quanto a Lux Vidal batalharam muito na defesa dos territórios indígenas”.
A imersão das fotógrafas nas aldeias indígenas não foi algo usual para a época. Além de serem raras as mulheres viajantes, a relação dos povos originários com a fotografia era distante. “Agora, com a chegada do celular, que já existe há uns 20 anos em praticamente todas as aldeias indígenas, a fotografia passou a ser algo que eles adoram. Eles passaram a ter uma outra relação com a fotografia.”
As três fotógrafas
Claudia Andujar nasceu em Neuchâtel, na Suíça, em 1931. Passou a infância em Orádea, entre a Hungria e a Romênia. Entre 1944 e 1945, seu pai e sua família paterna, de origem judaica, são enviados aos campos de concentração de Auschwitz e Dachau. Em 1946, muda-se para Nova York com seu tio Marcel Haas. Casou-se com o espanhol Julio Andujar e adotou seu sobrenome. Entre 1949 e 1952, estudou no Hunter College e começou a pintar, inspirada pelo expressionismo abstrato. Decide vir para o Brasil em 1955, onde começa a se interessar por fotografia. Nos anos 1960, trabalha como fotógrafa freelancer para revistas brasileiras e norte-americanas, como Claudia, Realidade, Life e Look.
Enquanto trabalhava em um número especial da revista Realidade dedicado à Amazônia, em 1971, entra em contato com os Yanomami. Sete anos mais tarde, funda, junto com outras pessoas, a Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY), que luta pelo reconhecimento do território daquele povo. Faz diversas exposições sobre os Yanomami, no Masp (1989), no Memorial da América Latina (1991), na Bienal de Arte de SP (1998), no MIS (2000), na Pinacoteca (2005), no Instituto Moreira Salles (2019) e na Fundação Cartier de Paris (2002 e 2020).
Lux Vidal nasceu em 1930, em Berlim. Passou a maior parte de sua infância e juventude na Espanha e na França, onde estudou Letras Clássicas. Em 1951 obteve o título de Bacharel em Artes pelo Sarah Lawrence College, em Nova York (EUA), onde cursou Antropologia, Literatura e Teatro. Chegou em São Paulo em 1955, lecionou na Aliança Francesa e no Liceu Pasteur, e, em 1967, voltou a estudar Antropologia na USP, onde realizou seu mestrado e doutorado.
Em 1969, ingressou como professora no Departamento de Antropologia da USP e a partir de então desenvolveu diversas pesquisas e ações indigenistas, especialmente com os Mebengokré-Xikrin, do Pará, e os povos indígenas do Oiapoque, Amapá. Lux formou um grande número de antropólogos e antropólogas e contribuiu para a fundação de várias organizações indigenistas, como a Comissão Pró-Índio de São Paulo, e segue realizando publicações e trabalhos relacionados aos povos indígenas.
Maureen Bisilliat nasceu em 1931 em Englefield Green, na Inglaterra. Filha de uma pintora escocesa e de um diplomata argentino, morou em diversos países quando criança por conta da profissão de seu pai. Em 1955, estudou pintura com André Lhote e, dois anos depois, estudou artes em Nova York, na Arts Students League. Maureen vem para São Paulo em 1953 com seu primeiro marido, o fotógrafo espanhol José Antonio Carbonell e, em 1959, se muda definitivamente para o Brasil.
Ela então abandona a pintura e começa a se dedicar mais à fotografia. Entre os anos 1960 e 1970, trabalha para a revista Realidade, da Editora Abril. Na mesma época, começa a editar fotolivros, onde traça equivalências entre suas fotografias e trechos de livros de autores brasileiros. Em 1973 faz sua primeira viagem ao Xingu com os irmãos Villas-Boas, mesmo ano em que inaugura a Galeria O Bode, em São Paulo. Em 1988, é convidada por Darcy Ribeiro a constituir o Pavilhão da Criatividade no Memorial da América Latina. Maureen publica diversos fotolivros, filmes e realiza exposições na Bienal de São Paulo (1985), Fiesp (2009), IMS (2020) e MIS (2022).
Colaborou Sandra Lima. * Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro
Trajetórias Cruzadas: Claudia Andujar, Lux Vidal e Maureen Bisilliat
Quando: em cartaz até 23 de fevereiro de 2025, de terça a domingo e feriados, das 10h às 18h,
Onde: Centro MariAntonia da USP (Rua Maria Antonia, 258, Vila Buarque, São Paulo,
Quanto: entrada gratuita.