Mais prestigiada revista literária do mundo, a The New Yorker publicada nesta segunda-feira (18), saiu com um poema escrito por David Lehman em tributo ao escritor brasileiro Machado de Assis.
Lehman é um dos mais antigos colaboradores da The New Yorker. Escreve prosa e poesia regularmente para a revista desde 1990 e é autor de livros importantes de poesia e crítica literária.
A homenagem a Machado é, bem-vinda e oportuna às vésperas do Dia da Consciência Negra no Brasil. E faz parte do movimento de redescoberta de Machado pelos mercado e crítica literários e, principalmente, leitores de língua inglesa nos últimos anos.
O poeta e tradutor Ivan Justen Santana fez a versão brasileira do texto de Lehman e cedeu sua tradução para publicação no FRINGE:
ELOGIO DE MACHADO DE ASSIS
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A INTERRUPÇÃO
Se eu escrever mais um romance
vou intitulá-lo “A Interrupção”
em honra de Machado de Assis
em capítulos curtos numerados
cada qual com um título como
“Deus Sabe O Que Faz.”
Vou escrevê-lo com
a pena da galhofa
e a tinta da melancolia
entre ataques de pânico
no meu quarto de hotel com pia na rue des Écoles
e recitá-lo no jantar,
bagunça de lentilhas servida com o sal do mistério
e a pimenta do perigo.
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UMA ERRATA PENSANTE
Com todo erro que cometo
eu refuto Pascal
e louvo Machado de Assis,
que disse que o homem é uma errata
pensante e não um caniço pensante;
ele gosta de pensar que sua mente,
inspirada pelo vento de outono,
está em moto-perpétuo,
como uma peça de Poulenc para piano
sem armaduras de clave;
e porque cada movimento
muda os erros do
anterior, nunca haverá
uma versão definitiva.
-
POR CAUSA DO ERRO
O capítulo anterior
deveria ser suprimido
por causa do erro
escondido na última estrofe
e da probabilidade
de um futuro bibliófilo
que dedica sua carreira
a Machado de Assis
e gasta horas dias semanas
estudando cada frase
de “O Alienista”
e “Dom Casmurro”
procurando em vão
por esse erro.
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UM PAR DE BÊBADOS
Um romance é um espelho
caminhando estrada abaixo,
a narrativa reta,
o estilo direto.
Mas a estória de Machado
e o estilo dele são um par
de bêbados virando
de um lado pro outro,
rindo de piadas sem graça,
erguendo os punhos,
numa episódica alienação
da eternidade. Antes cair
das nuvens, que de
um terceiro andar.
-
A UNIÃO DA LOUCURA HUMANA
Segundo Aristóteles
conforme revisto por Machado de Assis,
se uma bola de bilhar rolando
bate noutra, efetuando
uma transferência de energia,
e a segunda bola bate numa terceira
e a mesma coisa ocorre, então que as bolas
representem (a) o vetor de minha vida
(b) a rejeição do passado
e (c) a recusa de aceitar o que
tomou seu lugar. Assim, os extremos de realidade
e teoria podem se conectar ou colidir
em ambos os casos confirmando
a união da loucura humana.
David Lehman
Versão Brasileira: Ivan Justen Santana
Leia a versão original do poema:
In Praise of Machado de Assis
1. THE INTERRUPTION
If I write another novel
I shall call it “The Interruption”
in honor of Machado de Assis
in short numbered chapters
each with a title like
“God Knows What He’s Doing.”
I shall write it with
the fountain pen of mirth
and the ink of melancholy
between panic attacks
in my hotel room plus sink on the rue des Écoles
and declaim it at dinner,
a mess of lentils served with the salt of mystery
and the pepper of danger.
2. A THINKING ERRATUM
With every error I make
I refute Pascal
and praise Machado de Assis,
who said man is a thinking
erratum not a thinking reed;
he likes to think his mind,
inspired by the autumn wind,
is in perpetual motion,
like a Poulenc piano piece
without key signatures;
and because each movement
changes the previous
one’s errors, there will never
be a definitive version.
3. BECAUSE OF THE ERROR
The preceding chapter
should be deleted
because of the error
concealed in the last stanza
and the likelihood
of a future bibliophile
who devotes his career
to Machado de Assis
and spends hours days weeks
studying every sentence
of “The Psychiatrist”
and “Dom Casmurro”
searching in vain
for that error.
4. COUPLE OF DRUNKS
A novel is a mirror
walking down the road,
the narrative straight,
the style direct.
But Machado’s story
and his style are a couple
of drunks veering
from side to side,
laughing at unfunny jokes,
raising their fists,
in an episodic distraction
from eternity. Better to fall
out of a cloud than from
a third-story window.
5. THE UNION OF HUMAN FOLLY
According to Aristotle
as revised by Machado de Assis,
if one rolling billiard ball
hits another, effecting
a transference of power,
and the second ball hits a third
and the same thing happens, let the balls
represent (a) the vector of my life
(b) the rejection of the past
and (c) the refusal to accept what
took its place. Thus, extremes of reality
and theory may link or collide
in either case confirming
the union of human folly.