Enquanto ainda estamos aqui emocionados pela histórica premiação concedida a Fernanda Torres como melhor atriz de drama neste domingo (5) no Globo de Ouro –e vamos revendo vídeos da festa de ângulos diferentes e lendo tudo o que é possível a respeito, como fazem os torcedores de futebol quando seus clubes conquistam grandes títulos – é hora de falar das três vezes em que a grande atriz brasileira brilhou – e causou – nos palcos do Festival de Curitiba.
Aliás, no Fringe já estamos em contagem regressiva para a 33ª edição do Festival, que ocorrerá entre os dias 24 de março e 6 de abril, e já tem uma primeira peça confirmada: Daqui Ninguém Sai, espetáculo da Mostra Lúcia Camargo, baseado na obra do escritor Dalton Trevisan, e que terá direção de Nena Inoue, com produção do Teatro de Comédia do Paraná (TCP).
Fernanda Torres esteve presente em três momentos em que a terra tremeu no Festival e, se eu disse que ela causou (ainda se usa essa expressão?), foi porque ninguém ficou indiferente às três peças em que ela atuou. Longe disso, todas atraíram os holofotes, geraram discussões, polêmicas, ótimas fotos e histórias.
A começar pela primeira edição do Festival, em 1992, quando “Fernandinha e Fernadona” dividiram o palco da recém-construída Ópera de Arame na peça The Flash and Crash Days, de Gerald Thomas, na época marido da primeira e, por óbvio, genro da segunda.
Era o explosivo encontro entre o dramaturgo mais original e celebrado do Brasil da época, a maior atriz brasileira já com mais de 40 anos de carreira, e a única atriz brasileira a ser premiada no Festival de Cannes. No elenco ainda estavam os atores Domingos Varella, Ludoval Campos e Luiz Damasceno.
Na véspera da estreia da peça, no dia 28 de março de 1992, a coletiva de Gerald e Fernandona foi tensa e quase terminou em pugilato, o que só não aconteceu pela intervenção compadecida da grande atriz, que pôs a bola no chão com sua inteligência, elegância e carisma invulgares.
Na dramaturgia de Thomas, com referências orientais, da ópera de Wagner, do jazz e de tantos outros elementos, as Fernandas se agrediam, lutavam, se ofendiam e insinuavam um desejo incestuoso que chocou a plateia curitibana, que, segundo a imprensa da época, saiu “batendo as botas” do teatro.
Recentemente, Thomas comentou o episódio e publicou a cena que escandalizou meio mundo. Vale a pena ler aqui. O certo é que a peça foi um sucesso de repercussão mundial, um grande e fundador momento do Festival de Curitiba, e o fato de ela ter sido captada em foto de forma magistral por Lenise Pinheiro torna todo o conjunto antológico.
Dois anos depois, Gerald e Fernanda Torres voltaram ao Festival para a montagem do espetáculo Don Juan, a primeira vez que uma peça do evento ocupou o palco do Teatro Guaíra, sobre a qual falamos em detalhe recentemente, por ocasião do falecimento do ator Ney Latorraca, protagonista do espetáculo.
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A peça também causou furor, principalmente, pela ousada e inesquecível cena de abertura: um exame ginecológico que chocou espíritos puritanos e desavisados da plateia.
Um corte longo de 12 outonos até 2018, quando Fernanda Torres voltou ao Guairão já consagrada como a grande atriz de sua geração e pela recém-descoberta veia de escritora e roteirista.
Num período em que uma grande onda conservadora já fazia sombra na cultura, ela interpretou o monólogo A Casa dos Budas Ditosos, com uma atuação espetacular que lhe valeu o Prêmio Shell de melhor atriz daquela temporada.
A peça, dirigida pelo saudoso Domingos de Oliveira, era baseada no romance homônimo do também saudoso João Ubaldo Ribeiro, que dá voz a uma libertina baiana sexagenária que contava suas diversas experiências sexuais ao longo da vida. Além de fazer o público passar mal de tanto rir, o espetáculo também incomodava pelo discurso libertário e a reflexão não só sobre o sexo, mas também sobre o papel da mulher na sociedade. Outro vendaval inesquecível.
Quando voltar ao Festival de Curitiba, Fernanda será não apenas a primeira atriz brasileira a já ter ganhado o Globo de Ouro, como, quem sabe, pode até já ter passado um Oscar pela alfândega do Aeroporto Tom Jobim. De qualquer forma, esperamos que seja o mais rápido possível.