Nada é por acaso. O cantor, compositor e instrumentista Geraldo Azevedo ser uma das atrações do palco Pernambuco Meu País no Carnaval – Olinda é educativo e reflete nossa história. A geração dele plantou uma semente lá atrás, no início dos anos 1970, que permitiu a existência desse festival. Uma geração que entendeu a cultura popular e a importância de sua inserção na música brasileira e da união com a cultura pop.
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As atrações que passaram por esse palco na tarde/noite desta Terça-Feira Gorda (4), na Praça do Carmo, comprovaram isso: da Orquestra Arruando, passando por banda Eddie, até os também cantores Almério, Renatto Pires e João Gomes, todos são fruto desse legado. O próprio Geraldo, 80 anos de idade recém-completados, perpetua essa missão quando reinventa seu próprio repertório e faz um show completo como se estivesse em cima de um trio elétrico.
A programação inteira se desenrolou nesta terça num verdadeiro crossover temporal e de confluência de ritmos e referências culturais pernambucanas. A começar pela recifense Orquestra Arruando, que sob a batuta do maestro Nilo Otaviano deu o esquente necessário ao palco Pernambuco Meu País no Carnaval – Olinda, ao som de standards do frevo com uma pegada mais contemporânea, aproveitando o clima dos foliões que desde manhã já subiam e desciam as ladeiras do Sítio Histórico nesse ritmo.

Com uma identidade muito forte com a Cidade Patrimônio, a banda Eddie entrou em cena na mesma vibe. O grupo, que ao longo da carreira de mais de 30 anos gravou vários temas de folia que dariam para fazer um show apenas com esse repertório, trouxe sua habitual versão carnavalesca Original Olinda Style. Em meio a sua longa lista de clássicos, como Desequilíbrio, Quando a Maré Encher, Pode Me Chamar, Lealdade, Bairro Novo/Casa Caiada e Vida Boa, intercalou suas releituras de frevos como Hino dos Batutas de São José (João Santiago), É de Fazer Chorar (Luiz Bandeira) e De Chapéu de Sol Aberto (Capiba).
Um dos maiores nomes da nova geração da chamada cena musical pernambucana, o cantor e compositor Almério, natural de Altinho (Agreste), subiu ao palco com todo o impacto visual que lhe é peculiar. “Eu não vim só cantar. Vim brincar Carnaval”, anunciou. Como também lhe é de praxe, o músico deu seu recado sobre a importância do respeito à mulher, às pessoas negras e LGBTQIAPN+ e aos povos originários em meio a um repertório autoral, que também é cantado pelo Brasil por grandes nomes da MPB, misturando com sucessos de Alceu Valença, Rita Lee, Johnny Hooker, Otto, Raphaela Santos e Martins.
Prata da casa, o cantor Renatto Pires, filho pródigo do bairro de Rio Doce (Olinda), comemorou oito anos de participação no Carnaval da cidade com um repertório que chamou de “mais maluco”. Ou seja: com pura diversão botando o baile para gerar com um mix de frevo e pancadão com direito a releituras de clássicos da MPB.
Geraldo Azevedo
A reverência, de público e artistas, atingiu o ápice na apresentação de Geraldo Azevedo. Com mais de 60 anos de carreira, o músico nascido em Petrolina (Sertão) revisitou seis décadas dessa infinita experimentação e comunhão da música pop com a cultura popular que foi semeada por sua geração. E tudo em um ritmo alucinante, com arranjos de frevo de rua, como se estivesse em cima de um trio elétrico em pleno desfile do Galo da Madrugada, apenas com um breve respiro numa versão mais lenta que as demais, com a canção Dia Branco. A plateia cantou com o jovem agora octogenário e o saudou o tempo inteiro.

A noite encerrou com o fenômeno João Gomes. Natural de Serrita (Sertão), 22 anos de idade, ele é a prova de que aquela semente da geração de Geraldo foi bem plantada. Craque do piseiro e do forró moderno, João Gomes entrou no palco acolhido pela bandeira de Pernambuco e cantando A Praieira, de Chico Science.
Em meio a seu repertório mais contemporâneo, rendeu tributo a Alceu Valença (Anunciação) e ao forró mais tradicional de Luiz Gonzaga (Numa Sala de Reboco, com Zé Marcolino; e Sabiá, com Zé Dantas) e Accioly Neto (Espumas ao Vento). Uma prova irrefutável de que, mesmo diante de tantas transformações ao longo do tempo, a cultura popular e a música pernambucana caminham juntas de uma forma sólida e conceitual. Evoé!