Por Sandoval Matheus
Quando o ator Emílio de Mello resolveu perguntar em seu Instagram, meio despretensiosamente, quem gostaria de assistir de novo à montagem brasileira de “In on it”, a reação foi imediata e de grandes proporções. Era de se esperar.
Há 15 anos, quando estreou, a peça foi um fenômeno. Fez seis meses de apresentações ininterruptas no Rio de Janeiro, antes de rodar o país por três anos consecutivos. Na seara da crítica, venceu o Prêmio Shell, o mais importante do teatro nacional, nas categorias de Melhor Direção, para Enrique Diaz, e de Melhor Ator, para Fernando Eiras, o indissociável parceiro de Emílio na empreitada.
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Na retomada do ano passado, a paisagem das bilheterias mudou pouco. Os ingressos voltaram a se esgotar no Rio, e sessões extras precisaram ser abertas. Ao mesmo tempo, os convites para apresentações em outras cidades pipocaram.
No próximo mês de abril, num feito raro, a peça volta ao Festival de Curitiba, por onde passou pela primeira vez em 2009. As sessões acontecem nos dias 2 e 3 de abril, às 20h30, no Teatro da Reitoria, dentro da programação da Mostra Lucia Camargo.
A montagem é rigorosamente a mesma de década e meia atrás: a mesma direção, o mesmo elenco. Nem sequer as duas cadeiras que compõem o cenário despojado foram trocadas. O resto fica a cargo da luz e, é claro, da aclamada atuação dos intérpretes.
“É tudo de uma simplicidade muito grande, e também um presente pros atores, que precisam usar todos os seus instrumentos”, comenta Emílio do Mello. “Nesses 15 anos, muita coisa mudou, o mundo mudou muito, mas é interessante como as pessoas continuam sendo seduzidas por essa peça.”
O sucesso de público é mesmo um ponto enigmático, já que nem de longe o enredo de “In on it” poderia ser tido como “fácil”, de clara compreensão. O texto do canadense Daniel MacIvor, com tradução de Daniele Ávila, é inventivo, mas também intrincado e sinuoso, e não abre de graça o jogo com a plateia.
A começar pelo título, “In on it”, quase intraduzível, e que significa algo como entender uma questão em diversos aspectos, estar completamente envolvido por um tema, dominar os diferentes ângulos de um assunto – ou “estar por dentro da coisa”, como prefere Emílio.
“É o melhor texto que eu já fiz na minha vida. Pelo menos, não lembro de ter pegado outro texto contemporâneo tão bom”, rememora ele. “Não é uma peça previsível, e isso pra mim é uma grande qualidade. Ela dá margem pra muita coisa. E cada espectador monta do jeito que é interessante montar, ou suporta montar”, explica. “Então, se você gosta de se surpreender no teatro, vá ver ‘In on it’.”
No palco, Emílio de Mello e Fernando Eiras representam ao todo dez personagens. Na trama, os dois protagonistas estão às voltas com um passado em comum enquanto discutem e tentam escrever uma nova peça teatral. Tudo vai e vem muito rapidamente, com mudanças bruscas e diálogos extremamente ágeis.
“Mas tudo isso não interessa muito”, decreta Emílio. “Ninguém precisa entender, pode só vibrar, e sair dali diferente. Em 2009, muita gente adorava, mas não entendia absolutamente nada. Era como um feitiço. Tem partes que a gente mesmo ainda não entende, ficam dúbias”, brinca.
Apesar disso, o espetáculo continua conquistando jovens, velhos e adultos. Mesmo os filhos adolescentes de Emílio que, ele admite, não tem muito interesse por teatro – “casa de ferreiro, espeto de pau” – foram capturados pelo magnetismo da obra.
E tem quem chegue às raias da obsessão. “Tem uma geração de pessoas que ainda não viu a peça. E tem gente que já viu novamente três vezes. No Rio, um cara foi ao teatro, não entendeu nada, e imediatamente comprou um ingresso pra voltar no dia seguinte. Alguma coisa bateu, embora nem ele saiba explicar o quê”, finaliza.