Ao cabra da minha geração, desmamado para a vida nos bares de Curitiba, há pelo menos uma frase de Paulo Leminski para cada momento de crise ou júbilo. Quantas vezes olhei o amor a meu lado e pensei: “E a gente se achou, bichinha…”
Assim me vi nadando de braçada no poço, rio, mar de citações, epigramas, refrões, anseios e pensamentos gerados por uma máquina: a cabeça de Leminski que, como ele desejou em profecia, sobreviveu em muito à morte de seu corpo.
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São eles que costuram a dramaturgia do Cabaré Haikai, a peça que iniciou a Mostra Lucia Camargo do Festival de Curitiba ontem, no Teatro Zé Maria, com a caixa cênica pintada de branco e o chão forrado de páginas de poemas por onde deambulam, cantam e dançam os atores Ana Adade, Kauê Persona, Michelle Bittencourt e Reanata Bruel.
Antes das cortinas abrirem, contudo, ouvimos sua voz interpretada por Michelle, falando sobre como a poesia é suprema ao colocar a arte no fluxo da linguagem e, também por isso, não existe de per si, sem precisar de sentido. “Pra quê por quê?”
É a mais famosa reflexão sobre cultura de um improvável livre pensador que morava numa vila que ainda produzia o melhor silêncio do país, mas que estava alguns passos à frente do pós-modernismo de seu tempo.
Cabaré Haikai
Nesta dramaturgia, criada por Roddrigo Fornos, Estrela Leminski e Eduardo Ramos, há grandes cenas, entre as quais um brilhante Kauê Persona emulando o poeta, um cigarro cênico no outro, na célebre entrevista em que Leminski defende sua veia de melodista popular e reflete sobre a música pop nacional e o papel que gostaria de ter nela.
“O Paraná é um estado de vanguarda, pois deu ao Brasil o Catatau e Clara Crocodilo”, ele conclui, prenhe de razão, e uma lágrima, jacu e bairrista, escorre do meu olho esquerdo. Outra grande cena é a orgia verborrágica dos quatro atores que, tomando um porre, fazem textos e poemas de Leminski conversarem entre si.
No tramo final, a peça vira um concerto com os arranjos elegantes das melhores músicas do compositor. Um cabra como eu — para quem o Blindagem é o verdadeiro Jefferson Airplane — já começa a tirar a roupa, louco para mergulhar.
Olho para o lado e vejo que amigos de outros DDDs estão tão felizes e enlevados como eu e eis que me percorre um calafrio leminskiano sobre a beleza inútil da arte, que é afinal “única chance que o homem tem de vivenciar a experiência de um mundo da liberdade, além da necessidade”.