Uma em cada três mulheres já sofreu abuso sexual. Um número que choca, especialmente se você conversar com com as que estão próximas, e elas podem ser sua mãe, irmã, tia, prima ou amiga. Em pesquisa recente, a quantidade de ações sobre assédio sexual na Justiça do Trabalho cresceu 35% entre 2023 e 2024 em todo o país, passando de 6,3 mil para 8,6 mil novos casos. E esses números seguem uma tendência. Isso, quando falamos apenas sobre assédio em ambiente de trabalho, sem contar o que provavelmente não sabemos sobre crimes sexuais envolvendo parceiros, pessoas próximas e amigos. E claro, muito não sabemos pelo simples fato do medo e da vergonha em que a vítima acaba não denunciando. Um assunto sensível capaz de causar enjôo, afinal, essa mesma vítima pode estar literalmente ao seu lado, agora.
Foi com esse tema que Débora Falabella subiu ao palco do Guairão, na noite de ontem (25) com o espetáculo Prima Facie, escrito por Suzie Miller que conta a história de Tessa, uma advogadabem-sucedida que defende acusados de violência sexual e que se vê do outro lado após ter sido violentada. Um espetáculo que mescla emoções com um apelo cômico na primeira metade, mas que desaba em dramaticidade no segundo ato. Uma dramaticidade, aliás, que pode ser posta a prova com uma navalha bem afiada, devido a alta tensão gerada ao público. Dava pra cortar o ar.
Débora, neste quesito é imparável (e incomparável). Com uma atuação impecável, ela toma o palco do Guairão com uma presença intensa e um texto afiado, na ponta da língua, sem se perder em uma vírgula e mostra porque levou o título de melhor atriz no Prêmio Shell deste ano. Ela toma Tessa para si como se fosse ela mesma e acaba gerando comoção geral.
Em coletiva de imprensa concedida nesta quarta-feira (26), a atriz disse que não imagina ser uma porta-voz para todas as mulheres que já sofreram algum tipo de abuso.
Eu não me imaginava como porta voz de nada. Era um texto que me chamava muita atenção, era uma personagem que me deixava muito impactada com a história dela, uma mulher absolutamente livre mas que tem uma visão diferente de toda uma profissão que ela foi também ensinada. Ao mesmo tempo que ela questiona que o jurídico é comandado por homens, imagina como isso ainda é ensinado nas escolas.
De fato, Débora mexe com o consciente coletivo especialmente ao ser questionada em um tribunal e onde vê sua personagem ser execrada publicamente por uma corte machista onde ela não tem voz e não consegue se defender dos absurdos colocados por esses homens. Não é tão difícil imaginar se você for mulher.
Com direção de Yara de Novaes, o espetáculo que busca no seu cenário sóbrio e amadeirado um ambiente que remete aos fóruns e firmas de advocacia, gera desconforto em uns, lágrimas em outras e, talvez, memórias em muitas. É dolorido mas potente. É difícil mas necessário.
Emocionada, Débora fala da sobre a apresentação um Guaíra lotado, como parte da Mostra Lúcia Camargo no Festival de Curiitba:
Foi uma das experiências mais emocionantes que a gente teve, pra mim pra toda equipe, nunca tinha me apresentado no Guaíra e estar ali sozinha no palco, com duas mil pessoas dizendo esse texto, foi muito emocionante.
Foto: Annelize Tozetto
Sim, um monólogo com um texto pesado para mais de duas mil pessoas em que (digo novamente), ela fez do palco uma simples passagem para um assunto delicado. Primorosa pra dizer o mínimo.
O espetáculo tem segunda sessão, hoje (26) no Guairão às 20h30. Os ingressos estão esgotados.
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