Por Gabriel Costa e Sandro Moser
Choveu minutos antes da primeira sessão de Laborioso Contato, o espetáculo de rua da Mostra Lucia Camargo, encenado pela Trupe Motim de Teatro, que vem de de Quixeré, uma pequena cidade no interior do Ceará.
O diretor, ator e bonequeiro Chico Henrique chegou a sugerir à produção chamar as pessoas que já lotavam as arquibancadas para dentro do Palco Ruínas, no bairro do São Francisco, mas os curitibanos escaldados da equipe sabiam duas coisas:
A) a chuva logo cessaria; B) não era aquela chuvinha que ia amedrontar o público louco para ver uma das peças mais esperadas da grade do 33º Festival de Curitiba.
Dito e feito. Com menos de 15 minutos de atraso o sol deu as caras e Chico e sua produtora Janaíle Soares puderam mostrar pela primeira vez em no sul do país o universo entre o armorial e o steampunk de seu auto apocalíptico, rimado como um cordel, sobre um palhaço que é desafiado por uma entidade alienígena a evitar o fim do mundo.
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A peça é uma mistura de palhaçaria com teatro de animação, em que todos os bonecos foram feitos à mão pela trupe. Um deles é o ser de outro planeta tem uma bomba capaz de explodir a Terra muitas vezes, e o palhaço precisará – com ajuda do público – desafiar e vencer quatro cavaleiros do apocalipse.
Uma trama que dá pano para falar de muita coisa – de política a religião, passando por questões ambientais – mas que, na verdade, é uma soberba comédia de palhaçaria clássica misturada à sofisticada construção artesanal dos personagens.
O carisma do palhaço, com invejável capacidade em integrar surpresa e contratempos à narrativa, deixa o conjunto encantadoramente engraçado.
A primeira sessão foi um regalo do Festival no aniversário de Curitiba. A segunda, hoje às 17h no Palco Ruínas, no São Francisco, é imperdível. Chova ou faça sol.

Antes, na entrevista coletiva realizada na manhã deste sábado, no Hotel Mabu, o autor da peça, Chico Henrique, explicou a ideia por trás do espetáculo:
“A gente tem essa ideia do herói brasileiro. E aí eu pensei: por que não colocar um herói? Um palhaço, um bufão? Todos nós somos palhaços de alguma maneira – não no sentido de ‘estar me fazendo de palhaço’, mas no da ingenuidade, de enxergar nas nossas desgraças a graça.”
Mesmo com a possibilidade de se apresentar em espaços fechados, a Trupe Motim optou pela rua, valorizando a representatividade que esse ambiente traz à obra.
“A ideia é fazer na rua, como um ato político. Circulando em festivais, a gente percebe que muitos grupos querem se apresentar apenas no palco. É confortável estar lá, no ar-condicionado, sentado, tranquilo. Mas a gente quer estar na rua, porque lá conseguimos alcançar um público que, de outra forma, não teria acesso a um teatro fechado. Então, além da questão estética, é também uma escolha política: ocupar esses espaços”, afirmou Chico.
Outro aspecto essencial na estética da peça é o fato de o texto ser escrito em forma de cordel, uma manifestação cultural popular típica do Ceará, caracterizada por poemas cantados em versos rimados.
Além disso, todos os bonecos utilizados no espetáculo são feitos de materiais recicláveis, com destaque para o couro — um dos principais meios de sustento de milhares de cearenses.
Na coletiva, Chico também chamou atenção para os graves problemas de desmatamento em sua cidade natal, Quixeré, fato que impactou as escolhas criativas da obra.
“É uma terra muito fértil, então a economia de lá gira em torno da agronomia. Mas, por isso, também é muito saqueada ambientalmente pelo uso intensivo de agrotóxicos. Muitas empresas, inclusive multinacionais, vão para lá explorar a terra.”
Laborioso Contato
Onde: Palco Ruínas de São Francisco
Quando: 30 de março às 17h
Quanto: entrada gratuita