Por Fábio Larsson, do Jornal da USP
A atriz, diretora e dramaturga Janaina Leite é referência na cena brasileira por sua pesquisa dos “teatros do real”, na qual teatro e performance, arte e vida, e teatro e pornografia fronteiras difusas entre práticas artísticas e práticas socioculturais.
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Acompanhada de parceiros de longa data como Lara Duarte e André Medeiros Martins, a artista voltou aos palcos na mostra (Ob)cenas Contemporâneas, que acontece entre 3 de abril a 1º de junho, em diversos espaços culturais da cidade. Na mostra ela já apresentou o espetáculo Stabat Mater, que foi destaque no Festival de Curitiba, em 2022 e ainda vai apresentar e História do Olho – um conto de fadas pornô-noir ambos no Teatro da USP (Tusp).
Na sequência, Deeper faz temporada no Centro Cultural Olido, enquanto o Espaço Farofa recebe ações formativas como uma oficina, mesas de debates sobre arte e tecnologia bem como o lançamento do livro O feminino e a abjeção – Ensaios a (ob)scena contemporânea.
A mostra tem apoio da 19ª Edição do Prêmio Zé Renato de Teatro da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo – e é resultado da pesquisa continuada de Janaina sobre o corpo como estado-limite. “Move essa proposta o desejo de revolver, de maneira lúdica, marcas profundas de como nos relacionamos com a dor e o erotismo e com os arranjos que estruturam a plasticidade, a sexualidade e a consciência”, conta a artista.
Stabat Mater venceu a 32ª Edição do Prêmio Shell de Teatro na categoria Dramaturgia, apontada como melhor espetáculo de 2019 por importantes veículos da imprensa brasileira e eleita melhor espetáculo de 2024 em Portugal. A partir do texto teórico Stabat Mater (em latim, “estava a mãe”), da filósofa e psicanalista Julia Kristeva, é nesta peça que Janaina Leite começa a explorar o universo da pornografia, propondo e realizando uma cena de sexo explícito com um dos principais atores pornôs do Brasil.
A peça toma o formato de uma palestra-performance sobre o feminino, remontando à história da Virgem Maria, ao mesmo tempo em que a artista tenta dar conta do apagamento da sua mãe na sua peça anterior, Conversas com Meu Pai. Assinando ainda a dramaturgia e a direção, ela entra em cena ao lado da mãe, Amália Fontes Leite, e de Príapo – personagem para o qual se buscou um ator pornô.
A peça articula de forma radical temas historicamente inconciliáveis como maternidade e sexualidade. Tendo o terror e a pornografia como bases estéticas, a artista investiga as origens de um arranjo histórico entre o feminino e o masculino, que a obra tenta desarmar não sem antes correr riscos e enfrentar os mecanismos de gozo e dor que fixam essas posições. A montagem joga ostensivamente com a teatralidade através da cenografia e das três figuras em cena. A mesa da palestra pode ser uma mesa de um altar para a realização de uma missa, assim como o ambiente pode se transformar em uma boate com pole dancing, ou um grande falo. O espaço pode ser tanto um útero como um túmulo, significando nascimento ou morte.
História do Olho
Já História do Olho – um conto de fadas pornô-noir volta ao Tusp depois de uma bem-sucedida temporada em 2022, seu ano de estreia. Livremente inspirada na novela História do Olho, de Georges Bataille, a montagem é um híbrido entre ficção e não-ficção com 12 performers amadores e profissionais do sexo, no qual a artista aprofunda a investigação da relação e fronteiras entre teatro e pornografia, reivindicando a pornografia como uma arte cênica.
Com a colaboração de Lara Duarte, parceira de criação em Stabat Mater e Camming 101 Noites, e do multiartista André Medeiros Martins, que realiza trabalhos sobre arte e pornografia em diferentes plataformas, a peça segue a estrutura do livro para contar, em cenários de contos de fadas, o início da vida sexual do jovem narrador a partir do encontro com as adolescentes Simone e Marcela. A partir daí o trio passa a experimentar a sexualidade de forma bárbara e desenfreada.
No entreato, o público assiste a um show com música ao vivo e performances pornográficas. Entre a teatralidade ostensiva e o explícito da pornografia, o espetáculo recria essa fábula noir entre o vulgar e o sublime, o mundano e o cósmico, o ordinário e o abissal. Ao fim, Janaina assume a cena como diretora-performer para contar em primeira pessoa o surpreendente capítulo Reminiscências, em que Bataille conta as origens biográficas que suscitaram a escrita do livro, fazendo do autor seu próprio alter ego pornográfico.
História do Olho – um conto de fadas pornô-noir
Onde: Tusp – Teatro da Universidade de São Paulo – Rua Maria Antônia, 294
Quando: 12 a 27 de abril, sexta e sábado às 19h; domingo às 17h
(Sessões dos dias 18, 19, 25 e 26 de abril são acessíveis em Libras; a sessão do dia 25 de abril também conta com audiodescrição)
Quanto: Entrada gratuita | Classificação: 18 anos | Duração: 180 minutos (com intervalo) | Capacidade: 90 lugares