Filho dos movimentos estudantis que abalaram as estruturas da década de 1960 em diversos países, Cacá Diegues era uma daquelas figuras que não queria perpetuar uma imagem do Brasil que fosse cheia de estereótipos, longe disso.
Em seus filmes, o Brasil não era da Carmem Miranda ou das chanchadas, era do Carnaval, do samba, dos quilombos, dos sertões, das florestas, das favelas, dos viajantes e mambembes, dos dissidentes e rebeldes.
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Era, pois, um país desconhecido que se apresentava por suas lentes a um público atônito ao perceber pela primeira vez esses recantos cheios de brasilidades e brasileiros.
Diegues sempre foi um cineasta inquieto por tentar responder uma pergunta simples: que país é esse chamado Brasil? Muitos brasileiros não fazem essa pergunta usualmente, isto porque parece que tal questão não precisa ser colocada em pauta.

Mas, na geração de Diegues, esse era um questionamento que deveria ser enfrentado, mesmo que não houvesse uma resposta a altura de sua grandeza, estava lá, impregnada em todos os seus filmes.
Aliás, essa era uma pergunta própria dos idealizadores do Cinema Novo, movimento cinematográfico no qual Diegues foi um dos principais colaboradores, e que tinha como ambição descortinar e praticar uma poética cinematográfica autenticamente brasileira.
Porém, para chegar a esse ambicioso projeto de redefinições, era preciso olhar para dentro do próprio Brasil, e ali tateando em seus relevos geográficos e culturais, redescobrir um caminho estético possível.
Reflexo dos movimentos do Neorrealismo italiano e da Nouvelle Vague francesa, o Cinema Novo brasileiro foi um marco histórico para muitos realizadores, pois, a partir daquele momento, o cinema tinha que ser impregnado pela subjetividade de seu autor, tinha que estar em consonância ao contexto sócio-histórico de seu realizador.
Nesse processo autofágico, cada cineasta desse movimento foi encontrando suas respostas nos filmes que se debruçava. A pluralidade de seus resultados ressaltou a multiculturalidade evidente em diferentes rincões deste país e isso trouxe a possibilidade de se refletir os diversos brasis.
Dali em diante, o cinema brasileiro foi marcado por esse viés mais ético do que estético, isto é, não preocupado com a linguagem, ou ainda com o cinema indústria, ou de mercado, mas com um comprometimento autêntico.
Assim, Cacá Diegues nos ensinou que o cinema deveria ser feito, sobretudo, por reflexões, por abordagens distintas, por idiossincrasias diversas, por olhares que ampliavam o horizonte de nossas próprias percepções. Portanto, por meio dessa simplicidade ontológica é que iriamos descobrir o nosso próprio cinema.
Cacá Diegues nos deixou há dois meses, em 14 de fevereiro de 2025, e se existe uma maneira de nos lembramos dele é dessa forma singela de se fazer cinema: comprometido conosco e com a realidade que nos circunda e que somos fruto.