A morte da cantora, compositora e pesquisadora Cristina Buarque, aos 74 anos, leva consigo um cabedal de cinco décadas de pesquisa das obras esquecidas ou inéditas de grandes mestres das primeiras gerações do samba brasileiro.
Avessa aos holofotes, Cristina era a sambista da família Buarque de Hollanda. Filha do historiador Sérgio Buarque de Hollanda e irmã de Chico Buarque, Miúcha e Ana de Hollanda, ela preferiu trilhar caminhos mais discretos. Liderava, em Paquetá (RJ), uma das rodas de samba mais respeitadas do país.
+ Leia Também + Lendas do samba brasileiro: Jamelão
Nascida em São Paulo, em 1950, Cristina se destacou nacionalmente em 1974 ao gravar “Quantas Lágrimas”, do portelense Manaceia. A faixa integrava seu álbum de estreia, “Cristina”. Nesse mesmo disco, trouxe à tona obras de sambistas como Dona Ivone Lara, Nelson Cavaquinho e Cartola.
A partir de então, aprofundou sua pesquisa em torno da produção da primeira metade do século XX. Gravou, em fitas cassete, sambas inéditos e fragmentos deixados por Candeia, consolidando sua reputação como guardiã das raízes do samba.
Na década de 1980, Cristina gravou com a Velha Guarda da Portela a faixa “Vida de Rainha”, de Alvaiade e Monarco, e também com Clementina de Jesus, interpretando “Quando a Polícia Chegar”, de João da Baiana. Durante o período, lançou registros de compositores como Mauro Duarte e Geraldo Pereira.
Em 1998, participou do álbum “Chico Buarque de Mangueira”, acompanhada da Velha Guarda da escola. Interpretou clássicos como “Favela”, de Padeirinho e Jorginho Pessanha, e “Como Será o Ano 2000”, de Padeirinho, em dueto com Carlinhos Vergueiro. Também gravou “Agoniza Mas Não Morre”, de Nelson Sargento, além de marcar presença nos coros da maior parte do disco.
Cristina seguiu firme em sua missão de resgatar o samba de raiz. Com atenção à ancestralidade e às vozes abafadas pelo sucesso efêmero, sua pesquisa foi essencial para preservar a história do gênero.
Ao se despedir da mãe, seu filho Zeca escreveu:
“Uma cantora avessa aos holofotes. Como explicar um negócio desses em qualquer tempo? Mas como explicar isso nesse tempo específico? Mas foi isso a vida inteirinha dessa mulher que tivemos, nós 5, a sorte grande de ter como mãe. Uma vida inteira de amor pelo ofício e pela boa sombra. ‘Bom mesmo é o coro’, ela dizia, e viveria mesmo feliz a vida escondidinha no meio das vozes não fosse esse faro tão apurado, o amor por revirar as sombras da música brasileira em busca de pequenas pérolas não tocadas pelo sucesso (…). Vai em paz, mãe.”