Morreu hoje, aos 87 anos, em São Paulo, o cantor, compositor, ator e artista plástico Edy Star, ícone da contracultura brasileira e último sobrevivente da formação original do disco Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10 (1971). Internado após um acidente doméstico no Hospital Heliópolis, em São Paulo, teve agravamento no quadro clínico.
Nascido Edivaldo Souza, em Juazeiro (BA), em 10 de janeiro de 1938, Edy Star cresceu em Salvador, onde viveu a infância e deu os primeiros passos na música e no teatro. Desde os 13 anos já frequentava palcos, incentivado pelo pai, que o inscreveu no programa “A Hora da Criança”, da Rádio Sociedade da Bahia. A paixão pelo rádio e pela dramaturgia se uniram em sua formação como artista múltiplo.
Nos anos 1960, integrou a Companhia Baiana de Comédias e percorreu o Nordeste em peças teatrais. Foi premiado como ator itinerante e contratado para atuar no musical Memórias de 2 Cantadores, ao lado de Teca Calazans, Naná Vasconcellos e Geraldo Azevedo. A montagem venceu categorias importantes no Festival de Teatro de Pernambuco, em 1968.
A virada para a música aconteceu no fim da década, após conhecer Raul Seixas nas rádios de Salvador. Inicialmente rivais, tornaram-se amigos e parceiros artísticos. Em 1970, Raul o levou para o Rio de Janeiro, onde produziu seu primeiro compacto. No ano seguinte, Edy brilhou no cultuado disco Sociedade da Grã-Ordem Kavernista, ao lado de Raul, Sérgio Sampaio e Miriam Batucada, trazendo referências dos Beatles e do tropicalismo para um espetáculo musical irreverente e ousado.
Em 1974, lançou Sweet Edy, disco solo produzido por Raul, com músicas inéditas de Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Gilberto Gil e Caetano Veloso. A ousadia performática e a estética glam – cheia de brilho, andrógina e debochada – marcaram Edy como pioneiro da liberdade sexual e artística no Brasil. Em plena ditadura militar, subia ao palco de boates e cabarés com figurinos extravagantes e discursos libertários.
Também atuou como diretor teatral e dançarino, com passagens pela televisão e pelo teatro de revista. Em 1992, estreou em Madri a peça O Belo Indiferente, de Jean Cocteau, e foi contratado como diretor de shows do Cabaré Chelsea, fixando residência na Espanha por quase 20 anos.
Na pintura, realizou mais de 30 exposições em países como EUA e Espanha, sendo 16 individuais. Um de seus catálogos teve prefácio de Jorge Amado, com quem mantinha amizade. Edy também registrou suas vivências pessoais em livros. Em 2022, lançou Diário de um Invertido, reunião de textos dos anos 1950 que narram sua juventude gay na Salvador conservadora da época.
Ainda em vida, começou a ser reverenciado em obras de outros artistas. Em 2023, lançou o disco Meu amigo Sérgio Sampaio, homenageando o parceiro de Sessão das 10, com participações de Zeca Baleiro e Maria Alcina. No ano seguinte, foi tema do documentário Antes que Me Esqueçam, Meu Nome é Edy Star, dirigido por Fernando Moraes e exibido no CineSesc.
A trajetória do artista também foi registrada na biografia Eu só fiz viver – A história oral desavergonhada de Edy Star, lançada em 2025. Escrito por Ricardo Santhiago, com colaboração de Daniel Lopes Saraiva e Igor Lemos Moreira, o livro traz depoimentos do próprio Edy sobre sua vida e obra.
Mesmo diante do descaso dos sistemas de saúde e do silêncio institucional, Edy Star sai de cena como viveu: sem pedir licença pra nada, com brilho próprio e um legado de coragem. Um artista que nunca teve medo de ser quem era — e que, por isso mesmo, abriu caminho para tantos outros.