Fruto da primeira residência artística realizada em um arquivo documental no Brasil, o espetáculo musical O Diário de André Rebouças entra em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo, com sessões entre os dia 8 e 11 de maio. Com dramaturgia e direção de Renato Gama, a montagem é fruto da imersão de artistas periféricos no acervo do Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB), onde o grupo teve acesso a documentos pessoais do engenheiro e abolicionista André Rebouças.
Em três atos, o musical conta a história de quatro jovens da fictícia Favela da Catingueira, vizinha de uma universidade. Com o apoio de uma mãe de santo e de um mecenas, eles buscam ingressar na universidade com a missão de encontrar o diário de Rebouças. Ao longo do caminho, encontram outros autores e autoras que os transformam profundamente.
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A peça é uma parceria entre a Sá Menina Plataforma de Artes, o Instituto Çarê e o IEB-USP e integra o projeto de expansão de práticas culturais dentro de espaços arquivísticos. A residência que deu origem ao espetáculo foi realizada por artistas da zona leste de São Paulo, ligados à Sá Menina Produtora, uma plataforma afrocentrada da Vila Nhocuné. Durante o semestre, o grupo teve contato com escritos de figuras como Rebouças, Mário de Andrade, Carolina Maria de Jesus e Luiz Gama, além de folhetos de cordel, jornais da imprensa negra e acervos de movimentos sociais.
Segundo o autor Renato Gama, a experiência revelou afinidades entre os acervos e a vivência periférica. “Quando você vê Milton Santos ou os jornais da imprensa negra, você entende que é a sua memória materializada ali. Foi potente e gratificante”, diz Gama. O dramaturgo destaca que o espetáculo parte de uma fabulação baseada em documentos reais e busca propor um reencontro com o passado e a memória coletiva.
O musical é protagonizado por Luzia Rosa, no papel de Mãe Carolina, e Almir Rosa como Mar da Rua. Este último representa uma figura típica da periferia: alguém à margem, mas detentor de saberes profundos sobre o território onde vive. “Às vezes essas pessoas viram personagens da rua, mas são quem mais sabem daquele espaço. São arquivos vivos”, comenta o ator.

O espetáculo se estrutura em três atos. O primeiro apresenta a favela e seus personagens. No segundo, há um delírio de André Rebouças em uma visita imaginária a um quilombo. O terceiro ato aborda o encontro dos saberes acadêmicos e populares, quando os jovens finalmente acessam a universidade não pela transgressão, mas pelo reconhecimento e abertura.
A encenação incorpora música, elementos de teatro épico e oralidade. O texto foi desenvolvido a partir das impressões causadas nos artistas ao manusearem o diário de Rebouças, disponibilizado por Letícia Cescon da Rosa, estagiária do projeto no IEB. Segundo Letícia, “ao tocarem no diário, os artistas se emocionaram profundamente. Tiveram certeza de que aquele documento guiaria toda a dramaturgia”.
A iniciativa conta com apoio do Instituto Çarê e sinaliza uma mudança nos modos de pensar os arquivos como espaços vivos e acessíveis. Para a professora Luciana Suarez Galvão, vice-diretora do IEB, “foi a primeira vez que fizemos um convênio com esse propósito, e o resultado superou as expectativas. Vamos incluir esse modelo em outros projetos”.
Além de apresentações, o processo gerou debates sobre o direito à memória, o papel social dos arquivos e a presença de narrativas negras na formação da história brasileira. A parceria entre o IEB, o Instituto Çarê e a Sá Menina Produtora propôs um novo modo de aproximar periferia e universidade, arte e arquivo, documento e presença.
Com Informações do Jornal da USP e do Itaú Cultural
O Diário de André Rebouças
Onde: Sala Itaú Cultural – Av. Paulista, 149, São Paulo (SP)
Quando: 8 a 11 de maio de 2025 – quinta a sábado, às 20h; domingo, às 19h
Quanto: Gratuito – retirada de ingressos a partir de 6 de maio, às 12h
[duração: 150 minutos | classificação: livre]
Mesmo que os ingressos se esgotem, o público pode comparecer com uma hora de antecedência e entrar na fila de espera por lugares remanescentes.