Por Gabriel Costa, especial para o Fringe
Quando foi lançado em 2013, Caro Vapor / Vida e Veneno, do rapper fortalezense Don L, marcou uma mudança necessária no rap nacional. Na época, a invisibilidade de artistas “fora do eixo” — ou seja, fora dos grandes centros como São Paulo e Rio — era ainda mais acentuada do que hoje. A mixtape marcou a estreia solo de Don L, que já era reconhecido por seu trabalho ao lado de Nego Gallo, na dupla Costa a Costa.
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Mais do que uma estreia, Caro Vapor apresentou ao mundo a potência lírica e musical de Don L, que lhe rendeu versos eternizados na parede do Museu da Língua Portuguesa. Alguns dos maiores clássicos do “último bom malandro” nasceram ali: Beira de Piscina, Morra Bem, Viva Rápido, Enquanto Acaba e Nem Posso Dizer.
Desde então, os fãs esperam ansiosamente por uma continuação. E, na madrugada de segunda-feira, o pedido finalmente foi atendido. Caro Vapor 2: Qual a Forma de Pagamento chegou carregado do peso de suprir mais de uma década de expectativa. Don não decepcionou.
Com uma sonoridade brasileira, o rapper segue na contramão do que costuma dominar o rap nacional. Caro Vapor 2 é carregado de referências à música do Brasil, incluindo um sample de Milton Nascimento em para Kendrick e Kanye, faixa que brinca com o título Para Lennon e McCartney, do próprio Milton.
Don L se aventura por diversos gêneros musicais em seu novo projeto e mostra uma versatilidade inédita. Em ‘CARO’, transforma a faixa em um samba; já em ‘saudade do mar’, aposta numa pegada mais acústica e íntima.
Enquanto projeto, o fio condutor entre as músicas são os ideais de vida do artista, abertamente comunista. Don não tem medo de expor a maneira que pensa à respeito do mundo e do cenário do hip hop. Caro Vapor 2 é o Brasil de 2025 aos olhos do rapper.
Artisticamente, ele se arrisca em novos caminhos que ainda não havia explorado em outros projetos. Chega até mesmo a cantar em algumas músicas — e se sai surpreendentemente bem. Don é conhecido por produzir todas as suas canções, e em Caro Vapor 2 isso não é diferente — inclusive, a produção é o grande destaque de todo o projeto.
Referenciar a si mesmo é uma das marcas de Don L — e é exatamente isso que acontece em “CARO”. A faixa traz um sample poderoso de “Morra Bem, Viva Rápido”, música de abertura da mixtape Caro Vapor / Vida e Veneno, criando um elo direto com sua própria trajetória.
Em Caro Vapor 2, Don L se reafirma como um liricista único e histórico dentro do rap brasileiro. O ponto alto lírico do álbum é iMigrante, faixa em que o rapper faz uma crítica contundente à forma como pessoas migrantes — ou simplesmente fora do padrão dominante — são tratadas na sociedade.
“Só quero meu espaço, minha paz, minha parte, meu amor, minha arte.
Se incomoda como eu falo, danço, ando, canto e, claro, o quanto eu sou pago.
Eu não sou daqui, sou tipo a grana deles. Corre sangue em mim, igualmente vermelho.
Um dissidente de onde eu vim, aqui o estrangeiro. O forasteiro. Insubmisso. O gueto.
Nos bairros chiques de Fortal, o pirangueiro. Em São Paulo, o Paraíba. Em Portugal, o brasileiro.
Nada disso. O bandido para apontar o dedo. O meliante bom vivant, o errante, imigrante.”
É em versos crus e honestos como esse que Don L se coloca em um patamar de relevância política gigante dentro da música brasileira. Enquanto muitos artistas evitam tocar em temas polêmicos, ele construiu — e continua construindo — uma carreira fundamentada justamente nesse enfrentamento.
Caro Vapor 2 nasceu clássico. Carregar o nome de um dos projetos mais importantes do século no rap brasileiro não é tarefa simples, mas Don L não apenas sustentou o peso, como entregou algo à altura. Estamos acompanhando, em tempo real, a trajetória de um dos maiores artistas da música brasileira contemporânea. Quem ainda não conhece, está perdendo um verdadeiro banho musical de mar fortalezense.
