Nos anos 1970, no auge das tesouradas moralistas da censura oficial brasileira, organizavam-se caravanas que saíam de Curitiba rumo à fronteira com o Paraguai em busca de um pouco de sacanagem .
A turma da “dona Solange” tinha proibido – e depois liberado uma versão retalhada e pudica em 1980 – o filme Emmanuelle, lançado mundialmente em 1974.
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Inspirado em um romance da escritora Marayat Rollet-Andriane, que usava o pseudônimo Emmanuelle Arsan e estrelado por Sylvia Kristel, o filme causou frisson mundial e foi uma espécie de ponto de virada do cinema erótico como fenômeno cultural e comercial.
Emanuelle tinha abordagem sensual até então inédita e cenas de sexo simuladas que, nos anos seguintes, estabeleceram a fronteira do soft porn que diferenciava um filme erótico ainda artisticamente válido de uma produção pornográfica.

Em Curitiba e em outras regiões de fronteira no país, os espectadores não aguentaram o fomo – o medo de estar perdendo o que o mundo inteiro estava vendo em êxtase – e viajavam 700 quilômetros para formar filas no Cine Monte Carlo, em Puerto Stroessner — atual Ciudad del Este —, e assistir ao filme sem cortes.

Não foi só aqui que Emmanuelle causou alvoroço. Lançado em meio ao sucesso de O Último Tango em Paris, o filme foi alvo da censura francesa antes de ser liberado integralmente. A exibição provocou escândalo e êxtase: ficou 13 anos em cartaz em Paris, arrastou multidões em cidades como Londres, Nova York e Atenas.
Voltando ao Brasil, na década de 1990, sua versão televisionada também virou símbolo das madrugadas de sábado para domingo na TV aberta, apresentando Kristel a uma nova geração.
Antes, o filme, que teve muitas sequências, influenciou totalmente os rumos da pornochanchada e do cinema popular brasileiro, com filmes que citavam e emulavam a história e atmosfera do universo Emmanuelle, que, aliás, se tornou um dos nomes preferidos das mães na década de 1980 no país.
A nova versão: moderna e feminista
Cinquenta anos depois, ninguém vai precisar sair do país: Emmanuelle estreia nos cinemas brasileiros Brasil em nova versão, nesta quinta-feira, 10 de julho. O remake é dirigido por Audrey Diwan, vencedora do Leão de Ouro por O Acontecimento (2021), e tem Noémie Merlant (Retrato de uma Jovem em Chamas) no papel principal. Veja o trailer abaixo:
Li que a nova versão remete ao erotismo do original de 1974, mas o atualiza com a abordagem centrada no prazer feminino. A trama é parecida com a do primeiro filme: Emmanuelle viaja a trabalho para Hong Kong, onde ela conhece um homem mais velho que a conduz por uma série de experiências sexuais. O elenco traz ainda Naomi Watts, Jamie Campbell Bower e Anamaria Vartolomei.
Sylvia Kristel sacudiu o Brasil

Após o lançamento do filme original, a atriz Sylvia Kristel tornou-se uma das pessoas mais conhecidas do mundo. Ela visitou o Brasil em 1977, quando o filme ainda era proibido, e sua presença acirrou o debate sobre censura e liberdade sexual no país. Hospedou-se no Hotel Hilton, em São Paulo, e chegou a declarar que pretendia se candidatar ao Parlamento na Holanda “para defender os direitos femininos”.
Ao longo da carreira, Kristel participou de cerca de 50 produções, incluindo outras continuações da franquia. Seu rosto e seu corpo tornaram-se ícones pop e sexuais dos anos 1970 e 1980. Em 2006, lançou sua autobiografia, Nue, na qual narra desde a juventude como modelo até os bastidores turbulentos de Hollywood, relações conturbadas e sua luta contra o vício em drogas.
Morreu em 2012, aos 60 anos, vítima de um câncer de esôfago, em sua casa na Holanda.