Com informações do Jornal da USP
O cinema brasileiro perde uma de suas vozes mais lúcidas e influentes. Morreu neste sábado (12), em São Paulo, aos 88 anos, o crítico, professor, historiador, cineasta e ator Jean-Claude Bernardet. Internado no Hospital Samaritano, ele convivia com HIV, com um câncer reincidente na próstata — que optou por não tratar com quimioterapia — e com uma degeneração ocular que comprometeu sua visão. A morte foi confirmada pelo cineasta Fábio Rogério, que o acompanhava nos últimos dias.
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O velório será realizado na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Horários ainda serão divulgados. Figura central na cultura brasileira desde os anos 1960, Bernardet produziu uma obra que atravessa a crítica, a historiografia, a docência, a atuação e o ensaio literário. Com 25 livros publicados e presença marcante em filmes e debates públicos, seu nome tornou-se sinônimo de intervenção crítica e engajamento com o cinema nacional.

Nascido na Bélgica em 1936, Bernardet passou a infância na França e chegou ao Brasil aos 13 anos, em 1949. Viveu a juventude na colônia francesa de São Paulo, estudou no Liceu Pasteur e, impedido de retornar à Europa por dificuldades financeiras, fixou-se no país a partir de 1956. Nesse período, trabalhou na Livraria Francesa, participou de cineclubes e atuou na Cinemateca Brasileira. Foi também articulista do Suplemento Literário do Estadão, a convite de Paulo Emílio Salles Gomes, escrevendo inicialmente sobre cineastas estrangeiros antes de se voltar ao cinema brasileiro — com o qual se comprometeria profundamente.
Sua produção intelectual tem início nos anos de chumbo. Com o golpe de 1964, Bernardet perdeu os empregos na Cinemateca e no jornal Última Hora. Em 1967, publicou Brasil em tempo de cinema, obra seminal que propôs uma leitura sociológica do Cinema Novo. Para ele, os cineastas do movimento representavam uma fração da classe média em busca de identidade política. No mesmo ano, ingressou como professor na Escola de Comunicações e Artes da USP, sendo aposentado compulsoriamente com o AI-5. Retornaria à universidade somente em 1980, com a Anistia.

Seu trabalho seguinte, Cineastas e imagens do povo (1985), consolidou seu interesse pelos documentários e pelas representações do povo no cinema. Em 2004, ano em que se aposentou da ECA, a obra ganhou edição revista. Com o tempo, passou a se dedicar também à atuação em filmes, intensificando uma carreira paralela que já vinha de experiências anteriores nas telas.
Entre seus livros mais importantes estão Trajetória crítica (1978), O que é cinema (1980), Piranha no mar de rosas (1982), O autor no cinema (1994), Historiografia clássica do cinema brasileiro (1995) e A doença, uma experiência (1996), no qual narra com contundência sua vivência com o HIV.
Com humor, Bernardet dizia que os militares o transformaram de professor semianônimo em opositor célebre. Temperamental, inquieto e generoso no debate de ideias, soube aliar a precisão do historiador ao impulso do pensador engajado. Seu legado resiste em cada crítica, aula, livro ou cena em que atuou — sempre com a paixão de quem viu no cinema não só uma arte, mas uma forma de estar no mundo.