No coração do Recife, onde o frevo impera como expressão de identidade local, há um enclave que pulsa há mais de quatro décadas com outra batucada, marcada por tamborins, cavaquinhos e vozes fpara fazer opovo cantar suas alegrias e dores. Ali, por trás do antigo prédio dos Correios, no bairro de Santo Antônio, o Pagode do Didi resiste como um quartel-general do samba, comandado por Vlademir de Souza Ferreira, mais conhecido como Mestre Didi.
Nascido em dezembro de 1943 no bairro da Caxangá, Didi cresceu cercado de música. O pai, violinista; a mãe, cantora nas horas vagas. O menino, que mais tarde ganharia o apelido por se parecer com o craque da Seleção Brasileira, melhor jogador da Copa do Mundo de 1958, chegou a jogar futebol profissionalmente antes de se firmar como figura essencial da música pernambucana. Trabalhou em empresas, casas de show, mas foi em 1981 que seu destino cruzou com a história cultural do Recife: abriu o Bar do Didi, no centro da cidade. O local virou, rapidamente, ponto de encontro de sambistas e boêmios.
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Foi ali, entre mesas de plástico, violões afinados e gargalhadas, que nasceu o Pagode do Didi, primeiro pagode ao ar livre da cidade. O que começou como uma alternativa ao desemprego de Didi, tornou-se um espaço de formação de músicos, compositores e grupos inteiros que ali encontraram suas primeiras oportunidades.
Mais do que apenas um bar ou uma roda de samba, o local se consolidou como espaço democrático e popular, aberto de segunda a sexta-feira, onde o samba de raiz encontra morada. Nas calçadas do bairro de Santo Antônio, com batuques improvisados e versos de resistência, o Recife descobria uma nova tradição.
Foi no Pagode do Didi, aliás, que se deu o primeiro palco da Terça Negra, projeto que nasceu como espaço de expressão do povo negro. Hoje realizado no Pátio de São Pedro, o evento ainda carrega o espírito do seu berço: um samba vibrante, coletivo e combativo.
Reconhecendo essa trajetória, a Prefeitura do Recife homenageou Didi em 2009 como Destaque da Cultura Negra, concedendo-lhe o Troféu Terça Negra. No ano seguinte, o Estado de Pernambuco selou o reconhecimento: Didi foi declarado Patrimônio Vivo. Com seu chapéu, seu sorriso generoso e sua batida inconfundível, ele se tornou símbolo de uma resistência que pulsa em cada canto da cidade.
O documentário “Pagode do Didi, nosso ponto de encontro”, dirigido por Maysa Carolino, eterniza essa história na tela. Produzido majoritariamente por estudantes da graduação de Cinema e Audiovisual da UFPE, e financiado pelo Edital do Audiovisual Geraldo Pinho da Lei Paulo Gustavo, o filme foi gravado entre março e junho de 2024, período em que a roda esteve interditada. A obra não apenas resgata a memória de Didi, como dá voz a músicos, frequentadores e personagens que mantêm viva a chama do samba no Recife.
Para assistir ao curta-metragem e mergulhar na história dessa roda que desafia o tempo e as fronteiras entre gêneros musicais, acesse:
O lançamento do filme ocorreu em um dos lugares mais simbólicos da cidade: o Cinema São Luiz. Após a sessão, o público se deslocou para o lado de fora do prédio para vivenciar uma edição especial da roda, com participações de nomes consagrados como Maria Pagodinho, Gerlane Gell e Mell Mocidade. Uma noite em que o cinema e o samba se fundiram em celebração à memória viva de Mestre Didi.
A longevidade do pagode também se deve à força de sua família. Sônia, esposa de Didi, falecida precocemente, e os filhos Carlinhos, Rico e Vera carregam adiante a missão iniciada em 1981. A roda se renova a cada geração, mantendo-se como um espaço de acolhimento e projeção de novos artistas.
Chamado por muitos de “conservatório do samba”, o Pagode do Didi é, ao mesmo tempo, uma escola informal, um palco democrático e um centro de efervescência cultural no Recife. Em plena terra do frevo, Didi e sua roda provam que o samba tem lugar garantido, não como estrangeiro, mas como expressão legítima da alma pernambucana.