Neste domingo (25 de julho), o Brasil se despediu de Preta Gil – cantora, empresária e comunicadora, ela ajudou a moldar de forma decisiva a ponte entre artistas e público na era digital. Mais do que uma intérprete de voz forte e personalidade marcante, Preta foi protagonista de uma transformação importante na forma como artistas se comunicam e se posicionam publicamente — especialmente nas redes sociais.
+ Leia também + Novo espetáculo do Grupo Corpo terá 80 mil latas de sardinha no palco
Aos 50 anos, vítima de um câncer diagnosticado em janeiro de 2023, Preta Gil dividiu suas atuações entre arte, publicidade, militância política e inovação. E é justamente na interseção entre esses universos que ela contribuiu para uma das mudanças mais significativas da cultura pop brasileira na última década: a quebra das barreiras entre os criadores e seus públicos, em um ambiente cada vez mais mediado pelas redes sociais.
A artista estrategista
Nascida Preta Maria Gadelha Gil Moreira, filha de Gilberto Gil e Sandra Gadelha, Preta cresceu imersa no ambiente artístico, mas escolheu, ainda jovem, desbravar outros caminhos. Com 16 anos, sua atuação na organização de um camarote no Carnaval de Salvador chamou a atenção do publicitário Nizan Guanaes, que a levou para um estágio na agência DM9, em São Paulo.
Ao longo dos anos 1990, Preta se dividiu entre a publicidade e a produção cultural, chegando a fundar, com Monique Gardenberg, a Dueto Produções, especializada em filmes publicitários. Mas foi no início dos anos 2000 que ela deu um passo definitivo para a carreira artística, lançando seu primeiro disco, Prêt-à-Porter, e consolidando-se como cantora, apresentadora e ícone do Carnaval carioca com o Bloco da Preta.
A ponte entre criadores e seguidores
Mesmo com o sucesso musical, Preta nunca deixou de atuar como estrategista de imagem e negócios. Em 2017, essa veia empreendedora ganhou corpo quando ela se tornou sócia da Music2Mynd — que mais tarde se tornaria a Mynd, uma das maiores agências de agenciamento de influenciadores do Brasil.
A Mynd foi criada com um objetivo claro: oferecer estrutura profissional para artistas e criadores de conteúdo da cena pop brasileira. Mas sob a liderança de Preta Gil e da CEO Fátima Pissarra, a empresa se tornou algo maior. Tornou-se um símbolo de inclusão, diversidade e protagonismo de grupos historicamente excluídos da publicidade tradicional — artistas negros, LGBTQIA+, mulheres e corpos dissidentes.
Entre os primeiros nomes do casting, estavam figuras como Pabllo Vittar, Luísa Sonza e Pequena Lo, hoje potências nas redes. A agência também foi responsável por inserir essas vozes em campanhas publicitárias de grande alcance, mostrando que a internet poderia — e deveria — refletir a pluralidade do país.
Redes sociais: palco e confessionário
Preta Gil não só abriu caminhos para outros, como ela mesma viveu, nas redes, uma relação transparente com seus seguidores. Seus perfis digitais eram palco, confessionário e trincheira. Foi lá que ela falou sobre sexualidade, enfrentou a gordofobia com coragem, defendeu pautas sociais e, nos últimos anos, compartilhou de maneira corajosa sua batalha contra o câncer.
Essa exposição nunca foi gratuita. Ela entendia que a vulnerabilidade gerava conexão. E, em um cenário onde o público deseja mais do que performances — quer verdades, histórias, humanidade —, Preta foi pioneira. Mostrou que é possível ser artista e ser real, ser influente e ainda assim ser acessível. Com isso, inspirou uma nova geração a se expressar de forma autêntica.
Coragem e inovação
Em entrevista concedida ao Meio & Mensagem em 2022, Preta analisou a evolução da publicidade desde seus primeiros passos na indústria, destacando que as mudanças mais relevantes vieram “de dentro para fora” — das próprias minorias se fortalecendo, criando seus próprios espaços. “As pessoas pretas, criativas, trans, LGBTQIA+ querem ser incluídas. Mas, já que não nos incluem, vamos nos fortalecer”, disse.
Esse espírito de autonomia e resistência esteve presente em todas as frentes da sua vida: nos palcos, na publicidade, nas redes e nos negócios. Em 2019, ao lado dos sócios da Mynd, Preta subiu ao palco para receber o Prêmio Caboré — um dos maiores da indústria — coroando o sucesso da agência como serviço de marketing.
Despedida de uma líder afetiva
Desde maio deste ano, Preta estava em Nova York, tentando tratamentos experimentais contra o câncer. Sua morte, anunciada oficialmente no domingo, gerou comoção nacional. Amigos, artistas e seguidores prestaram homenagens. A Mynd, em nota, afirmou: “Preta foi uma mulher transgressora, sempre à frente do seu tempo. Quebrou paradigmas, provocou reflexões e iluminou caminhos com sua coragem.”
Ela deixa o filho Francisco Gil e a neta Sol de Maria.