O Festival de Curitiba, maior evento de artes cênicas da América Latina, é tema de um ensaio de 12 páginas publicado na Theater, uma das mais prestigiadas revistas acadêmicas internacionais no campo das artes do espetáculo.

O artigo, assinado pelo dramaturgo, crítico e professor Marcos Davi Leonardo Steuernagel, analisa a curadoria do festival entre 2016 e 2024 como uma atuação política e estética que constrói uma verdadeira “dramaturgia institucional” do Brasil contemporâneo.
+ Leia Também + O ensaio completo está disponível na edição de julho de 2025 da revista Theater
Intitulado Rehearsals for an Archaeology of the Future (“Ensaios para uma Arqueologia do Futuro”, em tradução livre), o ensaio parte da premissa de que todo grande festival atua como uma “narrativa metateatral” — ou seja, molda a experiência do público antes mesmo do espetáculo acontecer.
Para Steuernagel, a curadoria do Festival de Curitiba passou a operar como discurso: “uma produção a posteriori de uma narrativa orientada para o futuro”, escreve ele, definindo o processo como “uma arqueologia do que foi possível programar”.
A análise parte de 2016, ano do impeachment de Dilma Rousseff, e atravessa o período turbulento da política brasileira, incluindo a ascensão do bolsonarismo, a pandemia de covid-19 e o retorno de Lula à presidência.
Durante esse intervalo, o festival foi conduzido por dois grupos curatoriais. De 2016 a 2020, Marcio Abreu e Guilherme Weber inauguraram uma nova abordagem ao tratar a curadoria como uma forma de dramaturgia. A partir de 2023, a curadoria foi assumida por Daniele Sampaio, Giovana Soar e Patrick Pessoa, sob o lema “curar como arte do dissenso”.
“Queremos encarar o exercício da curadoria quase como um discurso em si mesmo, uma dramaturgia”, declarou Marcio Abreu ao autor em entrevista de 2018.
O ensaio examina as declarações curatoriais dos programas do festival, os eixos temáticos e os espetáculos que marcaram esse ciclo. Entre eles, Why the Horse?, com Maria Alice Vergueiro encenando o próprio funeral; Quando Quebra Queima, com estudantes secundaristas; Isto é um Negro?, de Tarina Quelho; e Karaíba, com equipe majoritariamente indígena.
Também são analisadas as aberturas do festival com o Boi Bumbá de Parintins, em 2024, e a retomada do festival, pós-pandemia, com o advento da Mostra Lúcia Camargo a partir de 2022.
“O que me interessa é dizer que um festival do tamanho do Festival de Curitiba, com o acesso aos recursos que ele tem, comparativamente, no contexto brasileiro, consegue ser um espaço para se pensar o que está acontecendo politicamente no país”, afirma o autor.
Ao final do texto, Steuernagel conclui que os curadores do festival não apenas reagiram aos eventos do Brasil, mas também construíram uma narrativa voltada para o futuro: “a pluralidade de um Brasil diverso, potente e sempre em movimento”.
A revista e o autor
Criada em 1968, a Theater é uma revista acadêmica publicada pela Duke University Press e associada à Universidade de Yale. Possui periodicidade quadrimestral — com três edições por ano — e é conhecida por sua capacidade de intermediar o pensamento acadêmico e a prática artística. “Ela é famosa por fazer essa ponte entre a academia e a cena teatral”, observa Steuernagel.

O autor do ensaio é radicado nos Estados Unidos, desde 2007, quando iniciou o mestrado em Estudos da Performance na NYU. “Vim para Curitiba com 11 anos, estudei na FAP e comecei minha trajetória profissional no teatro aqui. Fui para os EUA com o plano de voltar, mas nunca voltei”, relata. Atualmente, Steuernagel é professor na University of Colorado Boulder, onde desenvolve pesquisas sobre teatro brasileiro e curadoria como dramaturgia.
“Trabalho e escrevo muito sobre teatro brasileiro, e, às vezes, percebo que o Brasil é tratado como um país periférico, pequeno. Mas o Brasil é enorme, e um festival desse tamanho também tem uma importância imensa. Este artigo é uma tentativa de lidar com essa importância real”, afirma.