Por Gabriel Costa, especial para o Fringe

Alguns dos grandes momentos da história do cinema só o são por conta de suas trilhas sonoras.

0Quando se ouve a Marcha Imperial, de John Williams, em Star Wars, é impossível não pensar em Darth Vader. Quando Ryan Gosling toca o tema de La La Land, um turbilhão de emoções toma conta de quem escuta. A boa trilha transforma uma cena e muda o status dela para sempre.

No último sábado (9), na sala de cursos do Cine Passeio, uma mesa debateu como nascem as trilhas sonoras no cinema, dentro da programação do Fórum Metrô, um dos mais importantes festivais de cinema universitário do Brasil. O evento reuniu nomes relevantes da área de trilha sonora no país.

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Alexandre Rogoski, mediador da conversa, já produziu trilhas de filmes premiados em diversos festivais brasileiros, além de ser fundador da Off-Beat Audio, produtora especializada em pós-produção de som.

Felipe Ayres é compositor e músico, conhecido por ter assinado as trilhas das séries O Caso Evandro, Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez e Bateau Mouche.

Mateus Alves, que integrou a Orquestra Jovem do Conservatório Pernambucano de Música, é parceiro de Kleber Mendonça Filho em diversas obras do diretor, como Bacurau e O Agente Secreto.

Temp tracks

Entre os debatedores, houve consenso de que o processo criativo de uma trilha sonora é fluido e adaptável, variando conforme o tipo de projeto, o gênero musical e o perfil do diretor ou diretora. Para entender esse universo, é fundamental a distinção entre música livre e música encomendada.

Ao criar para si mesmo, o músico desfruta de total liberdade estética e estrutural; no audiovisual, porém, a composição é guiada pelo contexto narrativo e pelas necessidades dramáticas da obra.

Dentro desse processo, há um agente pouco conhecido, mas decisivo para o resultado: as temp tracks. Essas faixas temporárias são inseridas na edição antes que a trilha original seja composta e funcionam como guia para ritmo, atmosfera e emoção das cenas.

Normalmente escolhidas pelo montador ou pelo diretor, as temp tracks podem vir de bibliotecas musicais ou trechos de trilhas icônicas — de John Williams a Ennio Morricone.

Como nascem as trilhas sonoras. Foto: Forum Metrô

Para o compositor, elas atuam como um verdadeiro mapa sonoro. “Eu pessoalmente às vezes até gosto quando já vem, porque já me adianta estrutura, já me adianta várias coisas”, afirma Ayres.

Diferença entre cinema e TV

Cada convidado atua em um nicho diferente. Ayres trabalha comumente na realização de séries; Alves, em filmes. Apesar de similares, os processos diferem em alguns quesitos.

No cinema, o compositor costuma trabalhar com um corte relativamente fechado do filme. Nessa etapa, a montagem já está praticamente definida, o que permite criar a trilha diretamente sobre cenas editadas. Esse método garante mais precisão na sincronia entre imagem e som e favorece o desenvolvimento temático.

O prazo para entrega tende a ser mais concentrado, mas o número de revisões radicais é menor. Esse cenário abre espaço para composições mais elaboradas, com leitmotifs (temas associados a personagens, lugares ou ideias), recorrências melódicas e estruturas complexas.

Mateus Alves e Felipe Ayres falam sobre trilhas sonoras para cinema e séries. Foto: Forum Metrô

Na TV e no universo das séries, o processo de composição é mais fragmentado e acelerado. Muitas vezes, as músicas precisam estar prontas antes mesmo da montagem, baseando-se apenas em roteiros ou conversas iniciais com a equipe criativa.

Quando o corte final chega, o compositor precisa “refinar” ou até reconstruir trechos inteiros — processo conhecido como music editing. A rotina se transforma em constante vai e vem: compõe-se algo, a montagem muda e a trilha precisa ser readequada.

O volume de material também é maior: muitos episódios, com prazos que podem chegar a apenas uma semana para finalização. A pressão por agilidade leva a um uso mais intenso de mockups e bibliotecas virtuais, com menos espaço para gravações ao vivo.

A função social da montagem

Outro tema enfrentado pelo Fórum Metrô foi a montagem, processo silencioso, longe das câmeras e dos holofotes, mas capaz de transformar um filme por completo.

É nas salas de edição que profissionais escolhem planos, reorganizam sequências e incorporam novas cenas, definindo o ritmo e a atmosfera que o público vai experimentar.

Na programação, Pedro Giongo, vencedor do prêmio de Melhor Montagem no 52º Festival de Brasília pelo longa Alice Junior, e Renato Vallone, montador de filmes como Cinema Novo, Sertânia e A Queda do Céu, falaram sobre seus processos criativos.

Renato Vallone e os desafios da montagem. Foto: Forum Metrô

Eles observaram que o senso comum associa edição e montagem a efeitos especiais e tela verde, mas o processo vai além. Cada sequência é planejada com precisão para transmitir um sentido específico à obra.

Em geral, o montador é o braço direito do diretor. Quando duas visões artísticas se complementam, a parceria tende a prosperar. Ainda assim, divergências são parte natural do processo, especialmente diante das inúmeras possibilidades das tecnologias atuais.

A transição da película para o digital e as atualizações constantes de softwares transformaram a montagem. A atomização da imagem e o excesso de conteúdo nas redes sociais alteram a forma como o audiovisual é consumido e produzido.

Com o avanço da inteligência artificial e do machine learning, tarefas técnicas correm risco de obsolescência, reforçando a importância do pensamento criativo e crítico.

Para Vallone, a montagem se divide em três dimensões: a intelectual, voltada à criação de sentido e atmosfera; a técnica, dedicada à operação de softwares; e a humana, que envolve cuidado especial com o material recebido.

Giongo destacou a falta de montadores referência com mais de 50 anos e a precarização da profissão. “Não é tão simples assim, tem mil camadas, mas é um trabalho”, resumiu.

A mesa encerrou com uma reflexão sobre o som no cinema. Para os participantes, o som não é complemento da imagem, mas elemento determinante na criação de atmosfera e emoção.

Vallone revelou parte de seu método: assistir ao filme no mudo para perceber o ritmo visual e, em seguida, ouvir apenas o áudio para compreender sua cadência sonora.

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