Texto publicado originalmente no blog Plástico Bolha

Quase tão bons quanto as obras do artista plástico Barrão são os nomes com que ele as batiza. Aliás, como é triste ver no folheto de uma exposição um quadro “sem título”.

Barrão vai por outro caminho. Escolhe ótimos títulos para seus seres de cerâmicas coloridas, esculturas de resíduos pintadas a tinta automotiva, e para suas aquarelas e instalações invulgares, que recebem nomes como “Mufakaos”, “Soldado Kurosawa Figurante”, “Ninfas Derramadas” e outros tantos.

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O espectador fica procurando a sutileza que moveu o artista, mas, quando percebe o conjunto completo da obra, nota como a intenção de seu criador pode ter sido tanto insinuar ou converter quanto até mesmo perverter o seu sentido, aplicando a ela uma mão a mais de informação poética.

Peixe boca de xícara, Barrão. Foto: Sandro Moser

Tudo sempre, claro, para confundir, pois Barrão é expoente daquela arte pop que rebentou nos anos 1980 feito um braço solar da new wave à brasileira, linda e cheia de rock, videomakers e Chacrinha — arte que empurrou a ditadura para o abismo.

“Teia à Toa” é também o belo (e aliterado) título da primeira mostra individual de Barrão em Curitiba em seus mais de 40 anos de carreira. Com curadoria de Luíza Mello, a exposição no Museu Oscar Niemeyer reúne perto de 70 obras, todas criadas no século 21, muitas nos últimos 3 anos.

Habitante local, me alegro de ver “Teia à Toa” ocupando a sala 3 do MON, que é como chamamos o prédio que leva o nome do arquiteto comunista. Folhetos de agências de turismo e legendas de vídeos de tiktokers preferem chamá-lo de “Museu do Olho”

O prédio projetado por Niemeyer nos anos 1970 para abrigar a burocracia no centro cívico modernista da capital foi reinventado no final do século 20. Ganhou um anexo, cuja curvatura lembra de fato um olho elipsoidal, e, hoje, além de ser o museu mais importante do estado, é o segundo ponto turístico mais concorrido da cidade.

Todos os dias, dezenas de ônibus estacionam ali, trazendo milhares de turistas de todo o Brasil, especialmente às quartas-feiras, quando a entrada é gratuita — não por acaso o dia que escolhi para visitar a mostra. Eu queria observar a reação dos turistas, estratégia que funcionou, já que pude captar a sensação de divertido estranhamento na cara das pessoas, algo que, imagino, deve agradar o autor da mostra. A obra de Barrão é, sobretudo, muito engraçada.

Enquanto eu deambulava pelo salão, a meu redor se encontravam dezenas de pessoas e muitas crianças que davam trabalho à equipe da segurança. Difícil mantê-las na distância recomendada e impedi-las de mexer em cavalinhos, gorilas e lanternas espalhados pelo espaço.

Heric Carvalho (CE) e Karen Poletti (SC). Foto: Sandro Moser

Quando vi um casal de jovens bonitos e espertos se divertindo tanto quanto eu, a minha veia de repórter pulsou e me fez querer ouvir suas impressões a quente. Heric Carvalho é de Fortaleza (CE) e Karen Poletti, de Chapecó (SC). Eles nunca tinham ouvido falar de Barrão, nem do Parque Lage, mas entenderam a jogada. “Me chamou a atenção que são coisas que poderiam estar na casa da minha avó”, disse Karen.

“Eu gostei muito, achei interessante a forma como ele pega coisas cotidianas, do dia a dia, restos, lixos, resíduos, e transforma elas em obra de arte com ‘valor último’, entre aspas. Eu não conhecia o Barrão. Dá pra ver que ele trabalha com bastante coisa diferente. Essas colagens que ele faz, elas não partem de uma ideia de molde, mas de quebra. Ele vai quebrando e construindo”, relatou Heric.

Um belo resumo da arte do mestre da bricolagem que, entre outras coisas, está em Curitiba para ensinar “onde a coruja dorme”, nome de uma de suas instalações mais fodas. Outra instalação bem impressionante é aquela em que ele usa plintos — ou qualquer que seja o nome dado a supedâneos que sustentam pias — entrelaçados, que formam uma espécie de hashis de bambu gigantes de porcelana. Minha peça preferida, porém, é o quintessencial “peixe boca de xícara”. Se tivesse dinheiro sobrando, eu investiria uma grana nela.

Como já morei no Rio de Janeiro, sei que um artista como Barrão só poderia ter acontecido por lá. Em que outra cidade haveria tanta matéria-prima oriunda do comezinho domiciliar de casas tijucanas de classe média baixa, que se acopla a jogos de chá de famílias decadentes do velho Rio, tudo misturado à sucata dos anos 90 e ao epóxi dos nossos dias?

Me parece bastante apropriado, contudo, que ele esteja por aqui, diante dos olhos de muita gente que ainda não o conhece. Barrão é um daqueles artistas que transformam as coisas e seus destinos históricos. É reconfortante pensar no que ele pode fazer pelas cabeças e almas que o encontrarem até final de novembro, quando termina a exposição.

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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