Quarenta anos depois de emocionar e divertir plateias no Brasil e no exterior, “A Marvada Carne”, de André Klotzel, volta às telas em cópia restaurada. A partir de 28 de agosto, o clássico será exibido em circuito nacional em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Florianópolis, Maceió, Aracaju, Vitória, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador e Niterói.
O relançamento marca não apenas a celebração de um marco da cinematografia brasileira, mas também um ato de resistência cultural. A versão remasterizada devolve ao público o frescor visual, a riqueza sonora e a poesia dessa fábula caipira que conquistou mais de um milhão de espectadores nos anos 1980.
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O olhar de André Klotzel

Para o diretor, revisitar o longa é também uma forma de discutir o futuro do cinema nacional. “Naquela época, havia espaço para filmes originais, criativos e ao mesmo tempo populares. Hoje, criou-se uma separação artificial entre o que é autoral e o que é comercial. Todo cinema é as duas coisas. Infelizmente, vemos mais estímulo a obras pensadas sob a lógica do distribuidor e menos espaço para projetos ousados que nascem do realizador e dialogam com o grande público”, reflete Klotzel.
O cineasta recorda ainda como os anos 1980, mesmo sob adversidades, ofereceram um ambiente de produção mais variado. “A Embrafilme atuava como distribuidora quase exclusiva do cinema brasileiro, em um modelo parecido com as majors americanas. Isso foi extinto abruptamente no governo Collor, junto com o Concine”, lamenta.
A visão de Cláudio Kahns: memória e tecnologia
Se para Klotzel o relançamento representa uma retomada do debate sobre a criação artística, para o produtor Cláudio Kahns é também a vitória de um projeto de preservação. “Tínhamos apenas cópias em vídeo ruins. A última matriz era de 1999. Graças ao apoio do Canal Brasil e de outros parceiros, conseguimos chegar a uma master de excelente qualidade. É a memória do país em jogo. Preservar 500 filmes é preservar a alma do Brasil”, afirma.
Kahns defende ainda que a preservação deveria ser uma política pública contínua. “Há muitos filmes das últimas décadas que precisam ser remasterizados. A Ancine deveria ter um programa específico para isso. É um tesouro que precisa ser cuidado.”
O poder de um elenco raro
Realizado com orçamento apertado, o filme reuniu um elenco que entrou para a história: Fernanda Torres, aos 19 anos, em seu primeiro papel premiado, Regina Casé, Dionísio Azevedo, Lucélia Machiavelli, Geni Prado e a presença lendária da dupla Tonico & Tinoco. “A Fernanda já mostrava ali a potência que viria a ter. Tinha irreverência e coragem. Às vezes, depois das filmagens em Juquitiba, voltava para o Rio pegando carona na BR-116”, lembra Kahns.
A participação de Tonico & Tinoco, curiosamente, foi viabilizada por Beto Carrero. Em troca, entrou um discreto merchandising de um remédio da Vitasay, quase imperceptível, mas suficiente para custear os sertanejos.
Entre o mito e o real

A trama acompanha Nhô Quim (Adilson Barros), homem simples que busca dois desejos: carne de boi e uma esposa. Já Carula (Fernanda Torres) desafia Santo Antoninho a lhe arrumar um marido. Entre santos zombeteiros, diabos sedutores e figuras folclóricas, a fábula costura com humor e poesia desejos universais.
“É um humor naif, um olhar afetuoso para o sertão. Não se esgota porque fala de gente, desejo e identidade. Quem quiser ver o Brasil sob uma ótica caipira lúdica vai curtir tanto quanto há 40 anos”, resume Kahns.
Legado e permanência
Lançado em 1985, “A Marvada Carne” levou mais de um milhão de espectadores ao cinema e tornou-se um dos VHS mais vendidos do país. No exterior, circulou em países como Japão, Canadá, Alemanha, França e Cuba. Em Paris, ganhou o título de Sacré Barbaque. Hoje, versões piratas do longa ainda circulam na internet, algumas com mais de 500 mil downloads — prova da permanência do interesse.