“À vista da porta da cozinha, na casa da Rua Duque de Caxias, vislumbrava-se um quadro admirado por ele. Um pinheiro araucária e uma antena parabólica sobrepostos, imagem forte para quem se considerava um pinheiro que não se transplanta (citando a volta de sua estada em São Paulo), e adorava comunicação. Ali, ainda tinha a sensibilidade de apreciar o quintal, o limoeiro e cuidar das rosas no jardim.”

Este é um texto escrito pelo arquiteto João Virmond Suplicy Neto, descrevendo a casa onde Paulo Leminski viveu com a cineasta Berenice Mendes, de novembro de 1988 a junho de 1989, na biografia O bandido que sabia latim, escrita por Toninho Vaz.

O arquiteto João Suplicy. Foto: reprodução

Arquiteto, professor, artista gráfico, poeta e líder político das grandes causas do urbanismo nas últimas décadas, João Suplicy faleceu hoje aos 71 anos.

Suas realizações profissionais e acadêmicas são tantas que eu nem saberia por onde começar e acho que nem sou a pessoa indicada. Mas sinto que me cabe falar de um trabalho específico que ele e Leminski fizeram: a parceria poética do livro WinterInverno, que acabou sendo o último livro do poeta pop curitibano.

A parceria é um livro-arte, uma combinação de textos do Leminski com a própria caligrafia, com as imagens do artista plástico na configuração de haigas, ou poemas-desenhos. Como explica Rodrigo Garcia Lopes, é “a categoria mais plástica da poesia oriental”, com o intuito de “passar o perfume de uma ideia-emoção com brevidade, humor e sentido”.

“Os temas costumam ser os lances mais banais; coisas máximas vistas de um modo mínimo e vice-versa. Menos é mais. Por isso, tudo passa a impressão de um certo inacabamento, criando vazios que devem ser completados pelo leitor.”

Poesia pura, sangrada em mesa de bar, com um tom de fim de ciclo que era, de fato, o outono do poeta. Desde o título: “Winter”, do inglês, e “inverno”, do português, se unem, encontrando no radical grego inter ― que significa “entre”, “com” ― um espaço de travessia, de confluência. Como diz o texto de apresentação, “os poemas inspiram as imagens, e as imagens sopram fôlego aos poemas, numa dança silenciosa.”

A poeta e professora Josely Vianna Baptista  conta que foi no Café Poesia, um espaço boêmio da Curitiba, no final dos anos 80, que os rabiscos e desenhos do livro começaram. “Um pequeno papel abandonado sobre o balcão do Café Poesia, João rabiscou o leque, escrevendo no alto: ó a liberdade, e Paulo arrematou: vento onde tudo cabe. Desse risco surgiram outros”.

A obra é um conjunto. E só ganha um forço significado do lado dos textos. A sensação é que você está lendo como um voyeur literário, os guardanapos de papel rabiscados pelos autores.

O livro foi lançado numa pequena edição pela Fundação Cultural de Curitiba em 1994. Relançado em edição bilíngue pela Iluminuras em 2001 e depois percorreu, com a exposição Múltiplo Leminski, duas dezenas de cidades no Brasil e no exterior ― e voltou a circular em livro, exatamente como foi concebida no começo deste ano, em edição da Iluminuras.

Falar desta pequena obra-prima de arte boêmia às vésperas do Festival Leminski é minha forma contida e elegante (assim como ele era) de homenagear o grande artista, arquiteto e professor João Suplicy.

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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