Por Thiago Busse e Sandro Moser
A impressão é que o grande músico norte-americano Kamasi Washington estava abrindo sua casa ao receber o público na noite da última quarta-feira (3), na Ópera de Arame, em Curitiba.
O saxofonista, compositor e produtor desembarcou na cidade para o início de sua turnê brasileira dentro do Circuito Primavera de Jazz, parte da programação oficial do Curitiba Jazz Sessions 2025.
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À vontade, simpático e sempre na “boa onda,” Kamasi conversa bastante com o público, mas de forma sincera, sem discursos prontos e falsos.
Nestas interlocuções, trata a música pelo que ela também é: uma linguagem universal capaz de unir desconhecidos em uma mesma vibe.
Assim, ele fez parte dos presentes que enchiam sem lotar a vela Ópera, se sentirem como velhos amigos reunidos em torno da fogueira do improviso coletivo.

Isso prepara o terreno para a jogada maior: a música ilimitada de sua banda que já entrou acelerando a “mil por cien”.
Sempre entre o saxofone e o teclado, Kamasi tem ao seu lado, o pai, Rickey Washington, na flauta e clarinete.
Completavam o time trompete, bateria, dois teclados, contrabaixo, baixo elétrico e uma backing vocal de voz potente e invulgar, que arrebatou a plateia.
O sax de Kamasi parecia ter a força de um terremoto de vários minutos. Solos na escala Richter. Um virtuosismo, que porém, nunca caiu no exibicionismo.
Cada arranjo equilibrava técnica e melodia, mantendo a música palatável, sem perder profundidade.
Conhecido por integrar jazz, funk, soul, hip hop e gospel, Washington levou ao palco essa mistura sem fronteiras. O trompetista roubou a cena ao improvisar um rap, chamando o público para cantar junto.
A plateia respondeu, quebrando o proverbial gelo curitibano em uma catarse rara para um show de jazz.
Outro detalhe chamou atenção: quase ninguém sacou o celular. Sem telas acesas, a experiência foi vivida no presente, em um silêncio respeitoso.
Passado e futuro
Kamasi lembrou que sua primeira passagem pelo Brasil foi ao lado do lendário Stanley Clarke e reforçou a ligação afetiva com o país.
Em um dos momentos mais emocionantes, Kamasi contou uma história de sua filha de quatro anos. Ele disse que lhe deu um piano e que, em uma tarde, ela começou a dedilhar uma harmonia simples, repetida durante horas. A inspiração virou música.
“Agora nós transformamos essa melodia nisso”, anunciou o saxofonista antes de a banda lançar uma composição criada a partir da brincadeira infantil.
O público vibrou com a delicadeza do gesto, que dê certa fora resumiu a noite: a capacidade do jazz de transformar intimidade em arte.
Kamasi Washington é considerado um dos nomes mais influentes do jazz contemporâneo desde The Epic (2015), aclamado como obra-prima.
Em seguida vieram Heaven and Earth (2018) e Fearless Movement (2024), que orienta a atual turnê.
No palco da Ópera de Arame, essas composições foram expandidas com improvisos que resgataram ancestralidade e afrofuturismo, enquanto exploravam lugares sonoro.
A sensação final é que a música, nas mãos de Kamasi e sua banda, ainda é inesgotável. Quando parece que já se acabaram as possibilidades dos instrumentos, eles acham novos caminhos.
Sempre generoso com o público, o saxofonista mostrou que a reinvenção do jazz passa por encantar e acolher. Deixar todo mundo à vontade para então receber, por inteiro, uma chuva de pedradas sonoras.