por Gabriel Costa, especial para o Fringe
Criada em 2016, a Batalha da Aldeia é talvez o grande palco das rimas de rua no Brasil. Carreiras musicais bem-sucedidas começaram lá e rappers ainda desconhecidos foram alçados ao estrelato.
Na semana passada, na tradicional noite de segunda-feira, em Barueri, um novo nome entrou para o panteão de estrelas da BDA: Poeta Gabriela.
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A artista curitibana, conhecida na cena underground da cidade, teve uma noite perfeita. Ao lado do carioca MT, derrubou dupla por dupla até a grande final; uma batalha épica contra dois artistas estabelecidos no meio: os paulistas Guri e Levinski.
Uma disputa equilibrada, dois rounds a um que valeram a vitória da Poeta, que caiu em lágrimas. Uma reação que disse mais do que qualquer palavra. Um daqueles momentos em que, mesmo que por poucos segundos, a vida faz algum sentido.
“Para mim, é algo muito significativo e que marca meu nome na história desse esporte da palavra, esse esporte de raciocínio, que são as batalhas de rima”, disse a Poeta Gabriela.
Em uma clássica entrevista após ser campeão mundial de MMA, o lendário lutador Israel Adesanya disse: “Espero que todos vocês possam sentir esse nível de felicidade um dia na vida”. Uma frase que tem uma relação ainda maior com o título da BDA. Poeta Gabriela não trata as batalhas como brincadeira — ela, que é graduada no curso de licenciatura em educação física, se considera atleta.
Uma atleta do freestyle e da rima que não conquistou resultados da noite para o dia, mas suando em rodas de rima ao redor de todo o Paraná — e agora, do Brasil. Mas nesse esporte, as vitórias não são individuais. “O hip hop me trouxe o senso de coletivo. Tudo se constrói coletivamente. Vitórias se constroem coletivamente. Força se constrói coletivamente. Para que a gente possa fazer verdadeiras transformações na sociedade”, disse.
No coletivo da vitória de Poeta Gabriela cabem as mulheres. A cena curitibana. Todos os jovens que sonham em ter a vida transformada pela música. Quem constrói coletivamente e vive a cultura como ela deve ser vivida.
Além das rimas
Fora das rodas de batalha e do mundo das rimas, Poeta Gabriela trabalha para levar a cultura hip hop para a sociedade na área de educação social, em que promove a inclusão social e a defesa de direitos para populações em situação de vulnerabilidade.
“O significado do meu movimento enquanto educadora social é um pilar que sustenta meu trabalho. Eu não seria eu se não fizesse tudo que faço. Ele é fundamental para eu ser a artista que me tornei.”
Em seu Instagram, @poetagabriela, costuma compartilhar vídeos e recortes de suas aulas. Como educadora, é daquelas que fariam Paulo Freire sorrir. Usa o rap para dialogar melhor com seus alunos. Por meio da poesia marginal, mostra que todos podem dar seu recado, todos têm algo a dizer — basta ser sincero.
Slam das Gurias
Foi com a criação do Slam das Gurias, em 2019, ao lado de Jaquelivre e Soul Dani, que Poeta Gabriela começou a se destacar na cena de Curitiba. Os encontros acontecem mensalmente, sempre no último domingo de cada mês, na Praça João Cândido, com participação aberta e gratuita. Além da batalha de poesia falada, elas realizam oficinas de slam poesia, apresentações e intervenções poéticas.
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O grupo, além dos encontros mensais, também se arrisca no teatro. O espetáculo “Rasgo” relaciona elementos teatrais com a poesia marginal autoral. A apresentação ocorre em três atos, que evidenciam a força das vozes que rasgam o peito, os ouvidos e os panos.
Carreira musical
Apesar de professora, MC de batalha e produtora cultural, ainda sobra tempo para se dedicar à produção e composição musical. No ano passado, lançou o EP “Plano de Aula”, com cinco faixas que contam sua história nas escolas em que passou. É desse projeto que saiu “Rezas”, o maior sucesso de sua carreira.
Em julho, lançou “Planos e Sonhos”, single que já acumula mais de 10 mil streamings no Spotify.
E vem mais por aí: nos próximos meses serão lançadas novas músicas, sempre com sua essência e a seriedade com que lida com o hip hop.
“Podem esperar o que eu já venho mostrando: muita seriedade no meu trabalho, muita conexão entre a rima e o social. Vou continuar trabalhando como sempre trabalhei, rimando o que acredito. E certamente vou continuar trazendo minha essência em cada lançamento que vier.”
A carreira de Gabriela não começou com o título da Aldeia — e não termina nele.
Porque, quando alguém se guia por princípios que movem o coração, acaba se tornando maior do que si mesmo. Gabriela não é apenas isto ou aquilo. Gabriela é movimento, é poesia em estado bruto. Gabriela é o hip hop — e o carrega pulsando no peito, todos os dias.