Por Gabriel Costa, especial para o Fringe
Desde que os primeiros poetas arriscaram se abrir sobre suas emoções em forma de palavras, poesia é sinônimo de sinestesia.
Temos um desejo incontrolável de dar nome ao que sentimos. Mais do que isso, queremos que o outro seja capaz de se colocar na nossa pele, de chorar nossas dores e comemorar nossas alegrias.
“…Restitui-te na minha memória, por dentro das flores!
Deixa virem teus olhos, como besouros de ónix,
tua boca de malmequer orvalhado,
e aquelas tuas mãos dos inconsoláveis mistérios,
com suas estrelas e cruzes,
e muitas coisas tão estranhamente escritas
nas suas nervuras nítidas de folha,
– e incompreensíveis, incompreensíveis.”
Trecho de ‘Recordação,’ de Cecília Meireles
No mundo sinestésico que vivemos, a tristeza é muito mais que um estado de espírito, uma emoção ou uma condição da alma. A tristeza… é azul. A paixão é uma chama incandescente que queima e rasga o corpo de dentro para fora, e a alegria é um feixe amarelo de luz que deixa o mundo mais colorido.
A exposição Cidadela, que acontece na Caixa Cultural desde 17 de agosto, é uma aventura divertida sobre as emoções humanas — e a sinestesia intrínseca à vida. Nela, 15 peças que simulam cidades imaginárias trazem reflexões sobre o mundo e quem somos enquanto humanos e sociedade.
Na jornada em meio ao mundo Cidadela, cada uma das peças possui uma etiqueta indicando uma emoção diferente. Por terem cerca de 1 metro de altura, somos obrigados a nos ajoelhar para observar com atenção o interior das cidadezinhas. Ao abrir a janela que as separa do mundo, somos surpreendidos: elas têm cheiros, músicas, cores e luzes que representam cada um dos sentimentos.
+ Leia Também + Jorge Aragão: o samba que nos leva a Marte
Por alguns segundos, somos transportados para outra realidade, que curiosamente nos ajuda a entender a que estamos inseridos. Já que se tratam de emoções, não vamos para outro planeta, mas sim para o fundo do nosso inconsciente, onde estão escondidas memórias que contam nossa história.
O trajeto de peça à peça não tem um conto específico, mas sim aquele que você quer dar, e que faz sentido para a complexidade de sua existência. Mais do que uma simples exposição, é uma narrativa sobre nossas vidas.
Quando tive essa experiência imersiva, me encontrei absolutamente preso e hipnotizado por algumas das cidades. O afeto, por exemplo, me trouxe lembranças de minha infância — tempos mais simples. Este sentimento, na Cidadela, tem cheiro de frutas vermelhas, e é representado por uma cozinha com colher de pau, panelas de barro e um forno que cozinha aquilo que sua imaginação quer que ele cozinhe. Uma verdadeira tarde na casa dos avós.
E tem mais. A empatia é doce, um farol que pode guiar aqueles perdidos na vida. A espera é o som sem fim dos ponteiros dos relógios de parede. E por aí vai. Não quero influenciar a experiência daqueles que ainda não tiveram sua imersão na sinestesia humana das cidadezinhas.
A exposição Cidadela, acima de tudo, é uma exposição humana, sobre a coisa mais humana que existe em todo o mundo: sentimentos e emoções.
Às vezes, as artes visuais podem parecer como um poema de Cecília Meireles, com “mãos dos inconsoláveis mistérios” de nossa existência.