O grande escritor Victor Hugo (1802-1885) certa vez se perguntou se no mundo havia algo “mais rico, alegre, dourado, deslumbrante” do que o “tumulto de sinos e carrilhões” e das “milhares de vozes de bronze, todas cantando juntas” de uma orquestra sinfônica.
Para o autor de “Os Miseráveis”, as orquestras eram grandes “fornalhas musicais” e havia uma clara analogia entre as orquestras e as grandes cidades de seu tempo que cresciam caoticamente. Para ele, Paris não era senão uma grande orquestra e as tempestades que atacavam “alegro com brio” os telhados de suas casas e igrejas eram as sinfonias.
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De fato, as orquestras tal como as conhecemos e as grandes cidades surgiram em um mesmo tempo, ambas filhas de movimentos filosóficos e mudanças sociais e históricas do Renascimento, com o fim do domínio da Igreja Católica sobre a cultura.

A música de concerto foi a música pop deste período e é uma das poucas invenções consolidadas no período que ainda mantêm o status, a energia e a capacidade de maravilhar – as repúblicas pós-modernas que lhe são contemporâneas hoje em dia não estão mais com essa bola toda, por exemplo.
Assistir a uma orquestra hoje é tão bonito e empolgante como era no século 17 e seguintes e, quando você entende como funciona a mágica conversa entre os instrumentos, nesta arquitetura de sons e silêncios, de tempos e fugas, a coisa fica ainda melhor.
Eis a grande sacada da “Orquestra Didática”, instalação de alta fidelidade que reproduz uma orquestra em 16 canais, com monitores de TV e caixas acústicas de alta fidelidade dispostos pelo chão da sala do Teatro Cleon Jacques.
Na prática, no galpão do Teatro Cleon Jacques, os monitores ficam dispostos numa pista oval, no escuro, com apenas um spot de luz central, e cada instrumento ou grupo de instrumentos solta sua voz – quem fica no centro escuta tudo como quem estivesse na plateia da Ópera de Milão; quem passeia e circula pela sala escura percebe cada voz diferente, em que cada instrumento de uma orquestra pode ser ouvido separadamente enquanto conteúdos didáticos muito bem escritos aparecem nas telas.
Quando eu visitei a instalação, numa manhã de chuva, ouvimos Brahms, segunda sinfonia, segundo movimento. Brahms. “A sinfonia é muito boa porque ela tem uma divisão muito boa das madeiras, dos metais e das cordas. Você tem um entendimento muito grande de como funciona a orquestra com essa composição.”, me explicou Rodrigo Barros Del Rei, o anfitrião da festa.
O músico e ex-vocalista da banda punk Beijo AA Força é um dos idealizadores do projeto, ao lado de Samuel Ferrari Lago, numa iniciativa da Mediacaos com apoio do IAOSP – Instituto de Apoio à Orquestra Sinfônica do Paraná. A dupla também é responsável pelo Radiocaos, programa cultural criado no rádio há 28 anos que hoje se tornou um núcleo de arte, cultura e memória.
Netos e Paraquedistas
A Orquestra Didática foi criada em 2023 em Curitiba e já circulou por Ponta Grossa, Cascavel, Londrina, Foz do Iguaçu, Florianópolis e Joinville, segundo Rodrigão. Ao longo desta trajetória, recebeu mais de 20 mil visitantes. “O público são escolas, turistas, paraquedistas, estudantes de artes que vêm ver as esculturas aqui, é muito variado. A gente chama de ‘Orquestra Didática’ justamente porque quer atingir o maior público possível.”
Assim como diversa é a plateia, diversas são as reações, explica Rodrigão: “Tem gente que tem relação mais afetiva com a música de orquestra porque o avô tocava clarinete, a avó tocava piano. Vem gente que diz que é uma maravilha, a gente geralmente é bem tratado. Poucas pessoas, por exemplo, têm medo do escuro, já aconteceu. As crianças ficam maravilhadas com as telas e entram com tudo.”
A Orquestra Didática fica em cartaz até 05/10 (domingo), das 10h às 12h e das 12h30 às 17h30, no Teatro Cleon Jacques (no Parque São Lourenço). Se eu tivesse uma única coisa para fazer neste fim de semana, seria visitá-la.
Mas o projeto em breve vai voltar e, esperamos, rodar o mundo. E até lá, que “a noite continue a cair sobre a orquestra”. assim seremos menos miseráveis. E até lá, que “a noite continue a cair sobre a orquestra”.