A cantora e compositora Urias lança nesta terça seu terceiro álbum, “Carranca”, projeto que simboliza uma virada estética e existencial em sua carreira.
Inspirado nas figuras talhadas que protegiam embarcações contra maus espíritos, o disco propõe uma travessia musical e espiritual em busca de liberdade — não a paz idealizada, mas a conquista por meio da raiva, da vingança e da ancestralidade.
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Com 14 faixas — incluindo três interlúdios narrados por Marcinha do Corintho — o álbum apresenta um conceito amarrado por camadas de religiosidade afro-brasileira, resistência e poesia política.
As participações de Criolo, Don L, Major RD e Giovani Cidreira ampliam as vozes desse ritual coletivo, em que a artista afirma uma brasilidade negra, plural e cosmopolita.
Entre Exu e o afro-surrealismo
A carranca, elemento simbólico central do disco, está ligada ao orixá Exu, mensageiro entre mundos e princípio do movimento. Assim, Urias transforma o símbolo em metáfora de recomeço. A capa, assinada por Isaac de Souza Sales, expressa esse imaginário afro-surrealista com cores intensas e formas que evocam divindades híbridas — um diálogo entre pintura, dança e espiritualidade.
Nos interlúdios escritos pelo historiador Guillaume Blanc-Marianne, a personagem-narradora conduz a viagem sonora: da “liberdade vendida” à fúria, até o retorno à Etiópia, berço simbólico da humanidade. “Esses interlúdios funcionam como guias. Eles respiram o disco e conduzem o ouvinte pela narrativa maior”, explica Urias.
Parcerias e sonoridades
Produzido por Nave, Gorky, Maffalda e Zebu, o álbum mistura percussão eletrônica, metais, vozes em coro e batidas graves que lembram tambores de terreiro. “Carranca” une o experimental ao popular, a tradição ao futuro.
Em “Deus”, parceria com Criolo, Urias revisita “Soca Pilão” (1954), de Inezita Barroso e José Prates, para denunciar o apagamento das religiões africanas.
Já “Vontade de Voar”, com sample de Ednardo, fala sobre persistência e sonho num sistema que insiste em limitar corpos racializados. “Quando a Fonte Secar” reforça o papel das pessoas pretas como criadoras de referências culturais e sociais.
Entre as faixas inéditas, “Navegar” celebra o direito de imaginar família e futuro; “Águas de Um Mar Azul”, composta há cinquenta anos por Hyldon, é resgatada pela artista num gesto de reverência à memória da música brasileira; e “Paciência”, com Don L, ironiza os jogos de poder da indústria.
A participação de Giovani Cidreira em “Herança” condensa o espírito vingativo e a pergunta que atravessa o álbum: qual legado queremos deixar?
Cinema de deuses e corpos
A direção criativa é de Ode, responsável por transformar o álbum em uma experiência visual que mescla deuses africanos e ícones da cultura negra, como Josephine Baker e Saartjie Baartman. “Chamo isso de transcorporeidade”, diz Ode.
“A autorrepresentação pode libertar das noções eurocêntricas de identidade.” O resultado é uma obra total, que se manifesta em música, imagem e performance.
Um novo ciclo para Urias
Natural de Uberlândia (MG), Urias iniciou a carreira com covers no YouTube e consolidou-se como uma das artistas mais inovadoras da cena pop brasileira. O sucesso de “Diaba” (2019) e os EPs “Fúria” e “Her Mind” mostraram uma performer intensa, consciente de seu corpo e discurso.
Agora, em “Carranca”, ela mergulha em temas mais espirituais e politizados, traduzindo sua maturidade artística em música.
Com mais de 56 milhões de visualizações e 460 mil ouvintes mensais no Spotify, Urias encerrou a “Her Mind Tour” em 2024 com participações de Pabllo Vittar, Jup do Bairro, Hodari e Eboni. A nova fase promete integrar palco, ritual e audiovisual numa narrativa de autoconhecimento e reconstrução
Urias – “Carranca”
Lançamento: 7 de outubro
Participações: Criolo, Don L, Major RD, Giovani Cidreira
Produção: Nave, Gorky, Maffalda, Zebu
Pré-save: disponível nas plataformas digitais