Numa de suas últimas cenas na novela Vale Tudo, Odete Roitman (Débora Bloch) liga para a recepção do Copacabana Palace e pede para fazer o check-out.

Pouco tempo depois, a inescrupulosa empresária seria assassinada na mesma suíte em que viveu nos últimos meses no hotel mais famoso do Brasil.

Pelo tamanho do quarto – e pela vista do oceano Atlântico – dá para imaginar que a vilã bilionária e seu marido malandro ocupavam a acomodação mais luxuosa do hotel, uma das signature suítes, nos andares mais altos.

Uma das ‘signature suites’ do Copa. Foto: site/ Copacabana Palace

Algumas das unidades têm até um piano próprio – e a diária custa hoje, se reservada pelo site do hotel, 31 mil reais, com as taxas incluídas.

Assim, dá para imaginar a despesa de Odete e César, que ela não vai precisar pagar, pois levou um tiro no estômago de alguém que, por enquanto, só ela sabe quem, e que será um dos assuntos nacionais nos próximos dias.

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A cena, porém, deixa no ar a pergunta: é possível morar no Copa? Sim, é claro que sim. Inclusive, dois dos artistas mais queridos e brilhantes do país moraram lá, mas não numa suíte com vista para o mar, e sim no prédio anexo.

Gênio maior da música brasileira, Jorge Ben Jor vive no Copacabana Palace desde 2018, quando uma enchente inundou a casa onde vivia na Barra da Tijuca.

Jô Soares no tempo em que morou no Copa. Foto: reprodução

Foi passar uns dias e nunca mais voltou. E provavelmente não o fará, pois durante este período ele se separou da esposa Domingas, com quem viveu mais de 50 anos, e assim nem teria para onde voltar.

Em 2020, foi notícia nacional logo no início da pandemia de coronavírus, quando o hotel precisou fechar as portas. Apenas Ben Jor e Andrea Natal, diretora-geral do grupo que administra o espaço, permaneceram no local de luxo.

Fascinante imaginar o autor da Tábua de Esmeralda, que é um ocultista, andando nos corredores vazios do palácio à beira-mar.

Quem morou lá durante a infância foi Jô Soares, também em um apartamento no anexo do hotel. Em sua biografia O Livro de Jô, o humorista contou que seu pai viu no anexo a moradia ideal para a sua pequena família.

“Fomos dos primeiros a fixar residência lá. O conceito de moradia permanente que norteou a construção do novo edifício não deu muito certo, mas meus pais permaneceram ali por cerca de uma década”, disse Jô em depoimento a Matinas Suzuki.


“Bem moleque, eu subia ao último andar, chegava perigosamente à beira do parapeito e ameaçava me atirar na piscina. Os turistas, apavorados, gritavam: ‘No, please, você não vai conseguir’. Eu respondia: ‘Atendendo a pedidos, vou deixar o mergulho para amanhã’”, contou.

A lenda de Jorginho Guinle

Não se pode, porém, falar de hóspedes do Copa sem citar Jorge Guinle, o playboy quintessencial, herdeiro da família que fundou o hotel em 1923.

Jorginho e o Copa: Foto: Marcelo Carnaval/reprodução

Notável por suas conquistas amorosas e por pendor perdulário: consta que Jorginho gastou 100 milhões de dólares em festas, viagens e casamentos – o resto ele simplesmente torrou.

“Nenhum playboy de hoje pode ser meu sucessor. Todos têm um grave defeito: eles trabalham”, disse em sua autobiografia, cujo título resume sua vida: Um Século de Boa Vida. “O segredo do bem viver é morrer sem um centavo no bolso. Mas errei o cálculo e o dinheiro acabou antes da hora”, refletiu.

A história de Jorge Guinle, aliás, tem uma conexão grande com a novela Vale Tudo, em suas duas versões.

Se na trama atual do remake o casal Cecília e Laís aparece discretamente – até desperdiçando algumas das melhores atrizes do país – na versão original de 1988 o drama e o debate que causaram eram um dos grandes trunfos da dramaturgia e foram baseados em um caso real.

Na trama original de Gilberto Braga, Cecília morre e Laís luta para garantir seus direitos, espelhando a história do fotógrafo Marco Aurélio Rodrigues, que viveu 17 anos com o artista plástico Jorge Guinle Filho – filho do lendário playboy.

Após a morte de Jorge, uma das primeiras vítimas conhecidas da epidemia de AIDS nos anos 1980, Marco travou longa batalha judicial para ser reconhecido como herdeiro. Em 2018, o STJ confirmou sua vitória definitiva.

O caso inspirou uma das primeiras abordagens sensíveis sobre amor entre pessoas do mesmo gênero na TV brasileira, e o autor usou o nome de Marco Aurélio em um dos personagens.

A história se tornou um  episódio do obrigatório podcast Radio Novelo.

Jorginho Guinle, porém, ao contrário do que muitos podem pensar, nunca foi dono do Copa.

Quem criou o hotel foi seu tio, Octavio Guinle, a pedido do presidente Epitácio Pessoa, como um passo para a modernidade do país por ocasião do Centenário da Independência.

O hotel, cuja grande atração seria um cassino, porém, muito brasileiramente, só ficou pronto 11 meses depois da efeméride, em 14 de agosto de 1923.

Vista aérea do Copa nos anos 1920. Foto: IMS/reprodução

O projeto foi inspirado nos famosos Negresco, em Nice, e Carlton, em Cannes, e saiu da prancheta do arquiteto francês Joseph Gire.

A partir dele, as construções litorâneas brasileiras mudaram de sentido: antes, as edificações em frente à praia ficavam, inexplicavelmente, de costas para o mar.

No dia da inauguração, apenas seis dos 230 apartamentos do Copacabana Palace estavam ocupados.

Em compensação, havia mais de mil empregados – muitos deles, como o chef francês Auguste Escoffier, trazidos da Europa.

A diária do Copacabana Palace na inauguração custava menos de US$ 10 e dava direito à pensão completa e transporte gratuito até o Centro.

Para azar dos Guinle e dos apostadores, uma lei federal restringiu os jogos de azar ainda durante a construção e, no ano seguinte, proibiram-se os cassinos.

O Copa em 1923. Foto: reprodução

Proibição que só foi revogada em 1933, depois que Getúlio Vargas se tornou presidente. Diz-se que para agradar seu irmão, Benjamim Vargas, o “Bejo”, que era um jogador célebre.

Os cassinos foram o motor da cultura brasileira até que, em 1946, o presidente Eurico Gaspar Dutra decretou o fechamento dos cassinos no Brasil por motivos moralistas.

Mesmo assim, desde que o Copa abriu as portas, por elas passaram alguns dos maiores astros do rock, estrelas de Hollywood e chefes de Estado do século 20.

A primeira “celebridade” a assinar o livro de ouro do hotel foi Santos Dumont, em 1928. Antes, em 1925, o físico alemão Albert Einstein compareceu a um almoço oferecido pelo empresário Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, no terraço do Copa.

Tiros no Copa

Odete Roitman não foi a primeira celebridade a levar um tiro no hotel.

Em 1929, o presidente Washington Luís levou um tiro à queima-roupa, mas não morreu dele.

A autora do disparo foi sua própria amante, Yvonette Martin, com quem costumava se encontrar às escondidas em uma das suítes do hotel.

Estrelas do cinema eram o prato do dia nas suítes e salões.

Brigitte Bardot numa sacada com vista pra pedra do Leme. Foto: reprodução

De acordo com uma bela matéria do jornal O Globo, Anita Ekberg já saiu no tapa com o marido, Joan Crawford foi proibida de se hospedar lá por causa de seus pets, e Brigitte Bardot concedeu uma coletiva só para se livrar da imprensa em 1964.

Quem também causou no Copa foi Orson Welles, em 1942, aos 26 anos, mas já consagrado por ter dirigido o melhor filme de todos os tempos, Cidadão Kane, no ano anterior.

Segundo o jornalista Ricardo Boechat, autor do livro Copacabana Palace – Um Hotel e Sua História, Orson Welles subiu morros, visitou gafieiras, tomou cachaça e até bagulho fumou.

Em um de seus muitos porres, jogou móveis na piscina do hotel.

Maitre do hotel por mais de 40 anos, Fery Wünsch colecionou histórias curiosas, divertidas e inusitadas, muitas delas reunidas em seu livro de memórias, de 1983.

Ele conta que, em 1959, a atriz e cantora alemã Marlene Dietrich foi convidada para se apresentar no Golden Room, a casa de shows do Copa.

Antes de subir ao palco, a estrela o chamou e exigiu um balde de gelo com areia. Como usava um vestido apertado, que a impedia de ir até o banheiro, explicou que, em caso de necessidade, usaria o balde para fazer xixi.

Outros carnavais

Pelo palco do Golden Room, aliás, passaram incontáveis atrações: de Edith Piaf a Charles Aznavour, de Ella Fitzgerald a Nat King Cole, de Amália Rodrigues a Ray Charles e Tony Bennett,.

O último, consta, cantou para um público de aproximadamente 17 pessoas, entre as quais o lendário jornalista Ibrahim Sued, cuja feérica vida está eternizada numa estátua na frente do Copa, o seu habitat natural.

Os bailes de Carnaval do Copa eram antológicos.

Em 1964, Kirk Douglas compareceu ao baile de gala usando o figurino de seu personagem em Spartacus e, em 1967, Gina Lollobrigida deu uma escapulida até o Baile dos Enxutos, no centro .

Dois dos mais ilustres hóspedes do Copacabana Palace foram Walt Disney e Carmen Miranda.

O “pai” do Mickey Mouse chegou ao Rio de Janeiro na tarde de 17 de agosto de 1941 para divulgar Fantasia, o terceiro longa-metragem de animação dos estúdios Disney.

Durante um jantar, conheceu o cartunista brasileiro J. Carlos, que foi em quem ele se inspirou para criar o Zé Carioca.

Carmen Miranda, como Odete Roitman, morou uns bons quatro meses no Copa, poucos meses antes de voltar aos EUA e falecer em abril de 1955.

Paparazzi e Snipers

Janis Joplin causou na piscina do hotel. Foto: reprodução

Entre as centenas de celebridades que se hospedaram no Copa, pelo menos duas foram expulsas por mau comportamento: a cantora americana Janis Joplin, em 1970, e o roqueiro inglês Rod Stewart, em 1977.
A primeira, por ter mergulhado nua na piscina, e o segundo, por ter jogado bola na suíte presidencial.

Em 1991, o hotel hospedou o príncipe Charles e a princesa Diana.

Por volta das duas da madrugada, Lady Di pediu à gerência que acendesse as luzes da piscina para dar um mergulho noturno  – como também gostava Odete Roitman.

Suas braçadas foram flagradas por um paparazzo no Edifício Chopin, prédio vizinho ao hotel e de onde o personagem Olavinho planejava matar Odete Roitman, mas não conseguiu, porque o elevador estragou.

Em janeiro de 1985, a produção do Rock in Rio reservou 40 quartos para hospedar, entre outros artistas, os integrantes de três das maiores bandas da primeira edição do festival: Queen, Iron Maiden e AC/DC.

Bono e The Edge olham o oceano de cima. Foto; reprodução G1.

Desde então, todos os astros da música fazem questão de ficar por lá. Em 2006, na lendária apresentação dos Stones, um túnel aéreo sobre a Avenida Atlântica foi construído para levar a banda do Copa às areias escaldantes da Princesinha do Mar.

Consta que, na mesma oportunidade, a atriz e modelo Patti Hansen, mulher do guitarrista Keith Richards, gostou tanto da cama que pediu para levar o colchão para casa. O hotel, é claro, atendeu à solicitação da hóspede.

Vodca Negra

Isso porque o Copa é caro, mas não é fechado para os mortais.

Odete e Fátima na bar da piscina: até mortais podem tomar vodca negra. Foto: reprodução/ G1

Assim como fez Maria de Fátima, é possível usufruir dos três restaurantes – dois deles com estrela Michelin –, ou mesmo fazer o chamado day use na piscina semiolímpica, construída em 1934.

Ou simplesmente tomar um drink em um dos bares do hotel.

Eu mesmo, que não sou nenhum Guinle, já fiz as três coisas e sugiro um drink com vodca negra no bar Pérgola do Copa olhando para a Pedra do Leme.

É caro, mas é melhor que levar um tiro.

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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