Foi na periferia de Brasília, no encontro das rimas do rap com a batida do samba, que Janine Mathias consolidou a herança do seu legado. Radicada em Curitiba, a artista lança “O Rap do Meu Samba”, seu novo álbum de estúdio.
Produzido e composto por Rodrigo Campos, o disco apresenta nove faixas inéditas, regravações de clássicos da música preta brasileira e uma profunda reverência à ancestralidade familiar. Ao lado de Criolo, Janine transforma o partido-alto em uma fusão perfeita entre rap e samba.
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Em quase duas décadas de carreira, Janine constrói uma ponte potente entre o passado e o presente. Em “O Rap do Meu Samba”, a artista mergulha em sua própria história, expandindo o ofício de cantora e compositora.
Entre o rap e o samba
No repertório, Janine reúne dois clássicos do samba com mais de meio século: “Deixa Pra Lá”, eternizada por Leci Brandão, e “Barracão é Seu”, do compositor João da Gente (1882–1937), um dos pioneiros do partido-alto carioca.
“Não me preocupei em estar com as minhas composições, e sim com as canções e pessoas que podiam contar minha história”, afirma a cantora.
Lançada como single há quase um ano, “Barracão é Seu” evoca o samba de roda baiano, com percussão de Thomas Harres — que toca prato e faca — e coro formado por artistas da nova geração, como Pamelloza, Val Andrade, Bruna Lucchesi e Tito Amorim (da banda Sandália de Prata).
Ancestralidade contemporânea
A faixa, que retornou aos charts nos anos 1970 e hoje é de domínio público, ganha nova vida sob a direção de Rodrigo Campos. A canção incorpora um rap escrito por Janine e interpretado em dueto com Criolo, convidado especial do álbum.
“Esse disco é de samba. Mas leva esse nome porque quero que as pessoas entendam de onde eu vim. Rap e samba têm origens parecidas. O Criolo é um irmão, um afago que me faz ter certeza de que vale a pena sermos tranquilos. Esse rap eu tinha guardado para algo especial — chegou a hora”, revela Janine.
Rodrigo Campos reuniu instrumentistas de peso para dar corpo a essa sonoridade híbrida: Thiago França (arranjos de metais), Thomas Harres (percussão e MPC), Zé Nigro (baixo), Pablo Carvalho (percussão), Henrique Araújo (bandolim), Allan Abbadia (trombone) e Dustan Galas (teclados).
“O Rodrigo me uniu a instrumentistas maravilhosos. Quando vi o Thomas Harres e o Zé Nigro na minha frente, eu cantava, eles escutavam e arranjavam as músicas”, lembra Janine.
De Brasília ao samba paranaense
O disco também apresenta compositores fundamentais da cena do samba e da percussão do Paraná. Entre eles, Léo Fé, fundador do projeto Samba do Compositor Paranaense, em parceria com Ricardo Salmazo. Ele assina com Janine as faixas “Quando o Couro Bate na Mão” e “Devoção”, esta última lançada como single há quatro anos, com clipe dirigido por Carolina Bassani e Mayara Santarém, e participação especial do filho da artista, Khalil.
“‘Devoção’ reverencia o samba sem perder de vista o soul e o hip-hop. Me toca de uma forma especial, por reafirmar a herança dos nossos ancestrais”, afirma.
A curitibana Raissa Fayet contribui com a composição “Me Enfeita”, um flerte entre pop e programações eletrônicas, cujo videoclipe é dirigido por Helena Sofia. “É nos momentos de solidão que a gente olha pra si, transborda e transforma saudade em carnaval”, reflete Janine.
Da região litorânea do Paraná, o multi-instrumentista Fernando Lobo assina “Enredo de Angola”, homenagem à Yalorixá baiana Nívia Luz, do Terreiro Ilê Axé Oyá, e celebração das religiões de matriz africana.
Um retrato da música preta brasileira
“O Rap do Meu Samba” sintetiza as nuances e a essência de Janine Mathias, considerada uma das principais vozes da nova cena da música brasileira. Do rap ao samba, sua trajetória — que começou nas periferias de Brasília e floresceu em Curitiba — é uma ode à força da Música Preta Brasileira.
“O samba, assim como o rap, nasce do povo oprimido e foi marginalizado por muito tempo. Trago essa homenagem para mostrar que essas expressões são imprescindíveis na história da música brasileira — e também na minha”, conclui.