Antes da festa, há o ofício.
Por trás do brilho dos desfiles, da exuberância dos blocos e do som dos tambores, existe um universo de trabalhadores que dão forma ao imaginário coletivo do país
É a partir dessa perspectiva que a Pinacoteca de São Paulo inaugura, no dia 8 de novembro, a exposição “Trabalho de Carnaval”, em cartaz até 12 de abril de 2026 na Grande Galeria da Pina Contemporânea.
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A mostra reúne mais de 200 obras de 70 artistas de diferentes gerações e origens, como Alberto Pitta, Bajado, Bárbara Wagner, Heitor dos Prazeres, Lita Cerqueira, Rafa Bqueer e Rosa Magalhães. Dividida em quatro núcleos — Fantasia, Trabalho, Cidade e Poder —, a exposição parte de uma premissa: o Carnaval é uma máquina social movida por mãos que, na maior parte do tempo, permanecem invisíveis.
Carnaval como cadeia de trabalho

Com curadoria da equipe da Pinacoteca, o projeto destaca a dimensão produtiva e coletiva da festa. O foco está nos profissionais que a constroem — costureiros, pintores, escultores, aderecistas, motoristas e trabalhadores da limpeza urbana — e na cadeia econômica e simbólica que o Carnaval ativa todos os anos.
“Existe uma inteligência específica que faz a festa acontecer”, observam os curadores. “O Carnaval é produto do trabalho realizado majoritariamente por pessoas negras e pobres, que transformam criatividade e resistência em renda, beleza e arte popular.”
Além de obras históricas, o público encontrará comissionamentos inéditos de Adonai, Ana Lira e Ray Vianna, além de projetos de decoração, croquis de fantasias e registros em fotografia e vídeo.
Os quatro núcleos da mostra
O núcleo Fantasia explora o ato de se fantasiar e a força criadora que impulsiona o Carnaval. Ali estão reunidos croquis de J. Cunha, Joana Lira e da dupla Gabriel Haddad e Leonardo Bora, figurinos de Clóvis Bornay e o irreverente gorila da Tropa do Gurilouko, grupo da zona oeste do Rio que costura sacos plásticos como adereço. O vídeo Quarta-feira de Cinzas (1986), de Rivane Neuenschwander e Cao Guimarães, também integra o espaço.
O núcleo Trabalho aborda diretamente as condições laborais e a representação dos trabalhadores do Carnaval. Os estandartes de clubes pedestres do Recife, vindos do Paço do Frevo, dialogam com fotografias e pinturas contemporâneas, como Estrela Brilhante (2025), de Hugo Muniz, e Orí costurado de paz (2025), de Helen Salomão.
Já Cidade discute a relação entre o Carnaval e o espaço urbano.
Fotografias de Diego Nigro, registrando o Galo da Madrugada no Recife, e de Renato Velasco, que documentou a construção do Sambódromo da Marquês de Sapucaí em 1984, revelam como a festa molda — e é moldada por — a paisagem brasileira. O núcleo inclui ainda trabalhos de Rafa Bqueer e da Troça Carnavalesca Empatando a Tua Vista, que ironiza a especulação imobiliária recifense.
Por fim, o núcleo Poder propõe um deslocamento simbólico: trabalhadores, mulheres negras e grupos periféricos assumem papéis de liderança durante o Carnaval, transformando-se em Reis Momos, Deusas de Ébano e Rainhas do Maracatu. Obras e registros da Corte do Maracatu Elefante, de Raquel Trindade, Solano Trindade e Pedro Marighela, reforçam esse protagonismo efêmero, mas de grande valor político e cultural.
Os operários da alegria
A mostra enfatiza que o Carnaval é tanto celebração quanto labor: uma estrutura que mobiliza ofícios, memórias e corpos. Em vez de exaltar apenas o espetáculo, “Trabalho de Carnaval” propõe enxergar a festa como resultado de um processo coletivo, sustentado por pessoas que transformam o efêmero em permanência.
Mais do que revelar bastidores, a exposição expõe as dinâmicas sociais, raciais e econômicas que sustentam o maior evento popular do país. Entre croquis, estandartes, fotografias e vídeos, emerge uma ideia de trabalho como arte e resistência, um tema que se torna ainda mais urgente às vésperas do Carnaval de 2026.
Trabalho de Carnaval
Onde: Pinacoteca de São Paulo – Edifício Pina Contemporânea (Grande Galeria)
Quando: 8 de novembro de 2025 a 12 de abril de 2026
Horário: De quarta a segunda, das 10h às 18h (entrada até 17h)
Quanto: R$ 30 (inteira) | R$ 15 (meia)
