Por Gabriel Costa, especial para o Fringe
Em maio deste ano, faleceu Sebastião Salgado, o fotógrafo brasileiro mais prolífico e reconhecido internacionalmente. Ao longo de sua carreira, ele registrou acontecimentos históricos e transformou suas imagens em documentos fundamentais sobre a humanidade. Passou por Serra Pelada, Amazônia, Ruanda, Kuwait e tantos outros lugares fora dos mapas turísticos, mas que dizem muito sobre quem somos.
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Para Salgado, “a fotografia é a memória de todos nós. É através dela que o mundo nos vê.” Em um simples clique, o efêmero torna-se eterno. Fotógrafos são, acima de tudo, agentes da eternidade, capazes de converter rostos anônimos em ícones gravados no inconsciente coletivo de um povo.
Em Curitiba, por exemplo, a história de um estudante de medicina — o Doutor Zequinha — ganhou contornos lendários. Armado apenas com um estilingue, ele enfrentou a cavalaria militar durante a Batalha do Politécnico, tornando-se símbolo da resistência à ditadura. Sua imagem, eternizada em fotografias e lembranças, mostra como um instante pode condensar os sentimentos de uma geração inteira.
Na semana passada, visitei a exposição World Press Photo 2025, o mais importante prêmio de fotografia do mundo, em cartaz na Caixa Cultural de Curitiba desde 7 de outubro. Em cartaz até o dia 30 de novembro, a exposição está em sua 68ª edição e retorna à capital paranaense após 20 anos, com 42 projetos premiados que ampliam o olhar para os principais acontecimentos globais. As imagens foram capturadas pelas lentes de fotógrafos de 31 países sob perspectivas sociais, políticas e climáticas.
Lá, entre as imagens finalistas da edição deste ano, foi impossível não pensar em Salgado e em como as fotos que vi serão usadas, no futuro, para contar o momento que vivemos agora. Toda grande fotografia carrega, antes de tudo, um olhar sobre o outro.
No próximo sábado (22), a gerente de conteúdo da exposição World Press Photo 2025, Joana Klaus estará em Curitiba para uma visita mediada em que vai falar sobre bastidores e curiosidades da mostra que reúne as fotos vencedoras do maior concurso de fotojornalismo do mundo. A ação é gratuita,
Entre os aspectos mais interessantes da exposição está a diversidade dos temas retratados. Logo na entrada, somos recebidos por duas das imagens esportivas mais marcantes do último ano. A primeira mostra Gabriel Medina e sua prancha suspensos no ar, logo após a onda que lhe rendeu a nota quase perfeita de 9,90. Ao lado, outra cena emblemática: dois torcedores do Botafogo abraçados, chorando, diante do primeiro título do clube em décadas.
Mesmo que alguns insistam em minimizar seu papel, os esportes são essenciais para a humanidade para nossa forma de socialização. É um clichê, sim, mas inevitavelmente verdadeiro: não é só um jogo.
Adentrando a exposição, nos deparamos com temas tradicionalmente mais “sérios”, como a série de fotos que retrata a imigração pela Selva de Darién, fronteira entre Colômbia e Panamá — uma das rotas migratórias mais perigosas do mundo. Cada imagem exposta ali carrega uma mesma história compartilhada por milhares de pessoas: a busca por uma vida melhor em outro lugar do planeta.
A exposição do World Press Photo não interessa apenas aos amantes da fotografia. Qualquer pessoa minimamente atenta às atualidades encontrará ali um verdadeiro deleite intelectual, uma oportunidade rara de refletir, com profundidade, sobre alguns dos maiores desafios da nossa sociedade.
A magia da fotografia, como compreendeu tão bem Sebastião Salgado, é que ela sempre conta uma história. A história íntima de quem é fotografado, e também a história coletiva de um povo, com seus traumas, sonhos, medos e desejos.
E é impossível não valorizar os fotógrafos. Uma fotografia não é apenas registrada: ela é pensada, construída. A escolha de um ângulo, de um enquadramento, de um instante — tudo isso é profundamente político. Não à toa, fotógrafos estão entre os primeiros alvos em qualquer contexto de violação de direitos humanos ao redor do mundo. Enquanto houver alguém com uma câmera e a vontade de transformar a realidade, a fotografia seguirá resistindo.

