Por Gabriel Costa, especial para o Fringe
No último dia 6 de novembro, o evento Cinema Brasileiro: energia que move nossa cultura, transmitido pelos canais do Valor Econômico, destacou o papel decisivo da Petrobras no chamado Cinema da Retomada, movimento que recolocou a produção nacional nos trilhos a partir da metade dos anos 1990.
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Participaram da discussão a diretora Carla Camurati, a produtora Paula Barreto — sócia da LC Barreto — e Milton Bittencourt, Coordenador de Patrocínio Cultural e Esportivo da Petrobras. O debate girou em torno dos modelos atuais de fomento ao audiovisual, área em que a estatal segue como uma das principais patrocinadoras do país.
Marcelo. Queria que você falasse como é que você enxerga esse patrocínio sob a ótica do fortalecimento do setor, não apenas como uma política de patrocínio, mas da importância da Petrobras para o fortalecimento do cinema brasileiro, como um todo, ao longo desses 30 anos.
Em resposta, Milton Bittencourt afirmou: “Então, o que começa com uma decisão da empresa de apoiar o cinema, no caso, o Carlota Joaquina, há 30 anos atrás. A partir daí, isso vem com um resultado muito positivo, tanto para o cinema nacional, mas para a Petrobras também, de poder estar presente na vida das pessoas, da empresa se aproximar das pessoas, o que é muito importante do ponto de vista de marketing das empresas. Isso é muito saudável: as pessoas estarem conhecendo, entendendo que a empresa faz coisas positivas e está presente de outras formas na sociedade, além do negócio.”
O coordenador destacou também como o apoio evoluiu ao longo das décadas: “E, a partir daí, nós fomos o que era uma decisão, uma escolha naquele momento, nós fomos evoluindo para estar patrocinando outros filmes, outras dimensões do audiovisual. E isso vai se tornando um compromisso ao longo desses 30 anos. Então, nós fomos entendendo também o impacto que isso tem no audiovisual brasileiro, a importância de estar apoiando esse segmento dentro da cultura.”
Segundo ele, o cinema se tornou uma das áreas mais reconhecidas do patrocínio cultural da estatal: “Hoje, o cinema é uma das frentes que a Petrobras mais apoia no âmbito da cultura. É um compromisso de estar presente no cinema e entendendo o impacto que isso tem para toda a cadeia produtiva do audiovisual”, disse.
Em seguida, Marcelo perguntou sobre o papel do patrocínio na relação com o público. Milton respondeu: “É muito importante a gente ter um governo que apoie a cultura, que tenha leis de incentivo, que as empresas possam utilizar, serem estimuladas a utilizarem essas leis de incentivo e entendendo que esse valor volta para a sociedade.”
Ele explicou como esse retorno é percebido: “Hoje há um entendimento muito mais claro disso, que esse valor volta através, seja da economia criativa, mas da economia formal também, todos os serviços, todos os empregos que estão envolvidos. Então, o que a gente tem, na verdade, são realizadores maravilhosos brasileiros que precisam ser valorizados. A gente tem um público que quer se ver no cinema.”
Milton lembrou o impacto recente de produções de grande sucesso nacional: “A gente viu, Ainda estou aqui, ano passado, o Agente Secreto estreando em todas as capitais do Brasil. Então, o público quer se ver, quer ir ao cinema. Então, é importante que esses projetos estejam acontecendo.”
Mas afinal, o que foi o Cinema da Retomada?
No início da década de 1990, em meio ao traumático confisco das poupanças, o governo Collor também promoveu um processo de desmonte das políticas culturais. Logo em seu primeiro ano, extinguiu a Embrafilme — estatal responsável pela produção, distribuição e difusão do cinema brasileiro. Sem esse suporte, o setor entrou em colapso e a produção nacional praticamente parou.
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A virada começou entre 1993 e 1995, quando um novo arcabouço legal reabriu caminhos para o audiovisual. A peça central desse processo foi a Lei do Audiovisual (1993), que instituiu um modelo de financiamento baseado em incentivos fiscais. Por meio dela, empresas e pessoas físicas passaram a poder destinar parte do Imposto de Renda para investir em filmes brasileiros, recebendo em troca participação nos direitos de comercialização.
O mecanismo atraiu capital privado, descentralizou investimentos e permitiu que produtoras independentes ressurgissem. Um decreto complementar, promulgado ainda em 1993, detalhou regras e percentuais mínimos de conteúdo nacional, fortalecendo toda a cadeia produtiva ao exigir que etapas fundamentais — como filmagens, montagem e mixagem — fossem realizadas no país.
A Lei Rouanet, embora mais ampla e criada em 1991, também ganhou protagonismo nesse período. Seus mecanismos de renúncia fiscal passaram a ser utilizados com mais intensidade para viabilizar documentários, curtas e projetos de menor porte, ajudando a manter parte da atividade cinematográfica viva durante a transição.
Essas iniciativas representaram uma mudança de paradigma: o Estado deixou de atuar como produtor direto e passou a ser indutor do mercado, criando ambiente favorável para que a iniciativa privada investisse no cinema brasileiro. Foi dessa combinação de incentivos, profissionalização e reorganização institucional que nasceu o Cinema da Retomada, fase responsável por revitalizar a produção nacional, revelar novos talentos e recolocar o Brasil no circuito internacional do cinema.
O filme símbolo dessa fase foi Carlota Joaquina: Princesa do Brazil, dirigido por Carla Camurati e lançado em 1995. Produzido em um período ainda marcado pela falta de estrutura, o longa só conseguiu ser finalizado graças ao apoio da Petrobras, que assumiu custos básicos da produção — como o combustível utilizado pela equipe — e aportou cerca de R$ 50 mil no projeto. À época, o gesto foi inédito: era a primeira vez que a estatal investia diretamente na sétima arte.
O impacto foi imediato. Carlota Joaquina permaneceu mais de 11 meses em cartaz, algo impensável para um filme nacional naquele momento, e tornou-se o marco inaugural do Cinema da Retomada. Desde então, a Petrobras consolidou-se como uma das principais patrocinadoras do setor: já apoiou mais de 600 produções cinematográficas e mantém, até 2027, a previsão de investir mais de R$ 100 milhões em iniciativas culturais no país.
Fomento ao cinema em 2025
O cenário atual do cinema brasileiro é promissor, mas, para a produtora Paula Barreto, ainda há desafios importantes pela frente. Um deles é reconquistar o público jovem — hoje responsável pela maior parte da ocupação das salas de cinema — e fazê-lo se interessar por filmes nacionais. Segundo ela, o recente fracasso de algumas comédias de grande apelo popular indica uma mudança no comportamento dos espectadores, que agora buscam obras mais densas, sensíveis e reflexivas ao escolher o que assistir.
O sucesso de Ainda Estou Aqui em 2024 evidenciou essa virada e reacendeu o interesse pelo cinema brasileiro. A boa fase continua em 2025 com títulos como O Último Azul e O Agente Secreto, este último realizado com apoio financeiro da Petrobras.
Outro ponto crucial é refletir sobre quem tem acesso ao cinema no Brasil. Hoje, apenas 7% dos municípios contam com salas de exibição — um dado que revela a desigualdade na difusão da cultura cinematográfica. Nesse contexto, a Petrobras também desempenha um papel relevante ao financiar projetos de restauração e modernização de cinemas, além de iniciativas como o cinema itinerante, que leva sessões gratuitas a regiões remotas e historicamente excluídas do circuito exibidor.

