Na última quinta-feira (8), a Secretaria de Cultura de Pernambuco apresentou um pedido de inclusão das Matrizes Tradicionais do Forró na lista representativa do Patrimônio da Humanidade da Unesco. A demanda foi recebida e formalizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) no Rio de Janeiro, contando com a presença de outros secretários de Cultura do Nordeste e de entidades da sociedade civil.

A ideia é transformar o Forró em patrimônio mundial ao lado de bens culturais que já tem este status como o Complexo Cultural do Bumba Meu Boi do Maranhão, o Frevo do Carnaval do Recife, a Roda de Capoeira, o Museu Vivo do Fandango e o Samba de Roda do Recôncavo Baiano.

O Samba do Recôncavo é patrimônio imaterial da Unesco; Foto: Acervo IPHAN

Também são considerados patrimônio da humanidade o Círio de Nazaré, procissão da imagem de Nossa Senhora de Nazaré na cidade de Belém (Pará) e duas expressão culturais indígenas: o Yaokwa, ritual do povo enawene nawe para a manutenção da ordem social e cósmica e Arte Kusiwa, pintura corporal e arte gráfica dos povos indígenas Wajãpi, no Amapá.

Arte Kusiwa, pintura corporal e arte gráfica dos povos indígenas Wajãpi, no Amapá. Acervo IPHAN

Registro Nacional

O FRINGE concorda com a ideia do Forró entrar nessa lista e, a partir de agora, se ocupa de dizer como e por que isso precisa acontecer. Para chegar lá, o Forró precisou dar um primeiro passo e registrar o Forró como Patrimônio Cultural Imaterial Nacional, o que aconteceu em 2021.

Na definição constitucional, os bens culturais imateriais são as práticas e domínios da vida social que se manifestam de três formas: saberes, ofícios e modos de fazer. Também podem ser celebrações como expressões cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas, e lugares como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas.

Na exposição de motivos do pedido pernambucano, lemos que “Matrizes Tradicionais do Forró” são uma forma de expressão multimodal, cujo núcleo é a performance social de um leque de tipos de música e dança.

“O Forró é uma verdadeira joia da nossa cultura nordestina. Mais do que uma dança, é uma expressão viva da nossa identidade cultural. Por isso, é nossa responsabilidade garantir que essa herança seja preservada e transmitida às próximas gerações, para que o Forró continue a encantar e unir pessoas ao redor do mundo por muitos anos”, disse a secretária de Cultura de Pernambuco, Cacau de Paula, ao apresentar a candidatura.

Ela tem razão, pois, de acordo com a Constituição Federal, o patrimônio imaterial precisa ser preservado pelo Estado em parceria com a sociedade, transmitido de geração a geração, constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.

Xilogravura do Artista J.Borges. Foto: Reprodução

No caso do Forró, portanto, a Carta Magna está pedindo para que a gente não só vá dançar, mas também ensine nossos filhos. Que o Forró é coisa nossa é inquestionável, mas para que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) o reconheça, vai ser necessário um rebolado a mais.

O trâmite agora é esperar a decisão do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco, composto por representantes de 21 países de acordo com a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, da qual o Brasil é signatário desde 2003.

Este momento, portanto, é para os governos, organizações não governamentais (ONGs) e comunidades locais convencerem os membros do comitê, o que, convenhamos, não é tão difícil: basta levar este pessoal a um dos milhares de forrós que acontecem diariamente em todas as regiões do Brasil.

Afinal, o que é o nosso Forró?

“Forró” é uma palavra polissêmica, cujo sentido original, desde seus primeiros registros conhecidos do início do século XX, remete à festa popular com música e dança. No sempre indispensável “Dicionário Musical Brasileiro”, o grande Mário de Andrade diz que “forró é o mesmo que baile no Nordeste brasileiro e sinônimo de forrobodó”.

O pesquisador Newton Cunha, autor do dicionário “A Linguagem da Cultura”, concorda e explica que, a princípio, o dito “baile reles” era chamado de forrobodó, sendo forró uma apócope (uma fratura) dessa bonita palavra. Esta interpretação tem base no uso da palavra “forrobodó” como ideia de dança popula no teatro de revista desde o começo do século 20.  Está, inclusive, no título de uma opereta de Luís Peixoto e Carlos Bittencourt em 1912, com música da grande Chiquinha Gonzaga.

Assim, para Cunha, a melhor definição de forró é um baile popular tipicamente brasileiro, surgido na Zona da Mata, na região do Brasil que, desde os anos 1930, veio a ser chamada de “Nordeste”, em terreiros de usina de cana, para comemorar seu plantio ou corte, tanto quanto para festejar os santos do mês de junho. Nele se tocam e se dançam os tradicionais ritmos sertanejos — baião, xote, xaxado e coco — e tipos de dança associados a este repertório, ao som da sanfona ou fole, zabumba, reco-reco, ganzá e triângulo.

Toda a da formação do Forró nordestino está perfeitamente registada no livro “O Fole Rocou. Uma História do Forró” de Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues.

Foi com esta formação que o Forró se espalhou por várias regiões do país, acompanhando o fenômeno migratório da população nordestina e o sucesso de compositores e músicos nordestinos como Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira, Jackson do Pandeiro, Zé do Norte, Zé Dantas e Dominguinhos, entre outros. A primeira composição a mencionar nominalmente o baile é “Forró de Mané Vito”, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, de 1949.

O mito do “for all”

Por muito tempo, e por muita gente boa, foi disseminada a ideia de que a palavra forró derivava da expressão “for all”, em língua inglesa. Isto é, os bailes organizados por tropas estadunidenses acantonadas no Nordeste brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial. É até divertido, mas não se coaduna com as origens rurais e muito mais antigas do uso da expressão.

Assim como o pagode é originalmente uma festa onde se toca samba e hoje foi associado ao gênero musical, na segunda metade do século 20, a palavra “forró” assumiu também o sentido de um tipo específico de música, cantada ou instrumental, para ouvir e para dançar.

A cantora Marinês baila o forró com Luiz Gonzaga. Foto: acervo do site luizluagonzaga.cm

Para alguns sanfoneiros, pode significar uma forma de tratamento harmônico do baião, sincopado ao estilo dos sambas, com velocidade e andamentos próprios. Também passou a designar um tipo de evento com música ao vivo e dança; um tipo de estabelecimento comercial onde eventos deste tipo se realizam; um repertório de músicas e gêneros musicais ouvidos nestes eventos e estabelecimentos.

Escultura com trio de forrozeiros paraibanos. Foto: Reprodução

Entre os apreciadores de forró, temos três grupos: os que “consomem” forró dançando ao som deste gênero, frequentando eventos e estabelecimentos ditos “forrós”; há também os que escutam a música nos meios disponíveis, fonográficos e audiovisuais.

No Brasil, há um exército de trabalhadores que são músicos de forró, desde os mais profissionalizados até os que atuam apenas ocasionalmente. Finalmente, temos conhecedores, pesquisadores, organizadores e formadores de opinião que se ocupam do campo das matrizes tradicionais do forró.

Por isso, a humanidade, mesmo que não esteja se comportando tão bem ultimamente, merece o forró como um  patrimônio para chamar de seu.

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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