Uma espécie de máquina de sonhar que cria uma cena política de encantamento, Autoexame de Corpo de Delito é uma experiência que explora o universo dos sonhos a partir da mistura de diferentes linguagens artísticas.

Entrecortando narrativas de sonhos com canções compostas especialmente para a peça, o espetáculo faz sua temporada de estreia no Centro MariAntonia da USP, com parceria do Teatro da USP (Tusp), que vai até 27 de outubro, em sessões gratuitas.

A partir de ideia original e dramaturgia de Lucienne Guedes, atriz e professora do Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, a montagem tem encenação de Eliana Monteiro. Em cena figuram a própria Lucienne e o pianista Daniel Maudonnet, compositor das músicas originais.

Duas pessoas – a mulher que canta e o músico – são figuras de um mundo onírico, paralelo ao mundo real. Eles aparecem numa espécie de sala de concerto, transformando-a num espaço de fronteira entre a vigília e o sonho. O público, convidado a mergulhar em seus próprios sonhos, se dispõe em meio à música e à ação da atriz.

Sonhos

A atriz Luciene Guedes: universo onírico. Foto: Mayra Azzi/Divulgação Infoteatro

Segundo os produtores da peça, no momento histórico em que vivemos, repletos de informações sobre guerras, a destruição da natureza, as disputas por poder e o avanço de ideias autoritárias e extremistas, conseguir pensar de outras maneiras e ampliar o universo existencial torna-se uma necessidade de sobrevivência.

Para o neurocientista brasileiro Sidarta Ribeiro, em seu livro O Oráculo da Noite, “o sonho acontece no alheamento da realidade para imaginar o que poderia ser”. Foi a partir dessa importância dos sonhos na elaboração do mundo, feita por todos nós durante a noite, que a dramaturgia se desenvolveu.

Além dos sonhos escritos por Lucienne, foram escolhidos também alguns transcritos pelo filósofo alemão Walter Benjamin. Ele viveu na Alemanha nos anos entre as duas grandes guerras mundiais, num contexto de destruição que muito poderia se assemelhar ao nosso, sobretudo quanto à dificuldade em vislumbrar tempos melhores.

Música

Daniel Maudonnet compôs as músicas do espetáculo. Foto: Mayra Azzi – Divulgação Infoteatro

As músicas têm autoria de Daniel Maudonnet e letras de Lucienne Guedes. Logo no início do processo de criação, a atriz e dramaturga convidou o músico para estruturar sonoramente o universo do espetáculo. O neurologista inglês Oliver Sacks, em seu livro Alucinações musicais, afirma que “nós, humanos, somos uma espécie musical, além de linguística”.

Ele ainda explica que a música é, ao mesmo tempo, tão fácil de entender e tão inexplicável, e reproduz as emoções mais íntimas do nosso ser, mas sem a realidade e distante da dor. A partir disso, sonhos e músicas, duas capacidades irmãs dos seres humanos, trabalham juntas na peça Autoexame de Corpo de Delito.

Para a diretora Eliana Monteiro, a peça é uma experiência criada para que as pessoas se conectem com seus próprios sonhos, de maneira coletiva, e então despertem para encarar a realidade.

“Tentam tirar o nosso tempo de sono e, consequentemente, de sonho, para que estejamos anestesiados, sem sentir ou compreender o que somos ou desejamos. Recompor o sonho como parte de nossa existência é demarcar os contornos daquilo que nos humaniza e não pode ser tolhido”, afirma a encenadora.

Sem separação física entre a atriz, o pianista e o público, o espaço da sala de concertos situada no Centro MariAntonia torna-se um espaço imersivo e onírico.

A peça dá continuidade à parceria entre a encenadora e a atriz e dramaturga. Elas já trabalharam juntas em peças do Teatro da Vertigem e outras, como em A Última Palavra é a Penúltima 2.0 (2014), Enquanto Ela Dormia (2017) e Na Solidão dos Campos de Algodão (2022). A equipe criativa tem ainda Aline Santini na iluminação, Bianca Turner nos vídeos, Claudia Schapira no figurino e Irupé Sarmiento na direção de movimento.

Por Fábio Larsson, do Jornal da Usp

Autoexame de Corpo de Delito

Onde: Teatro da USP (Tusp), no Centro MariAntonia da USP (Rua Maria Antônia, 294, Vila Buarque)

Quando: até 27 de outubro, às sextas-feiras e sábados, às 20 h, e aos domingos, às 18 h

Quanto: Entrada gratuita

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