Por Ricardo Thomé, do Jornal da USP

Estreia nesta sexta-feira( 11) às 20 horas, o espetáculo Um Tempo Chamado Yayá, da Cia. Coexistir de Teatro. A peça conta a história de Sebastiana de Mello Freire (1887-1961), a Dona Yayá, uma mulher que, órfã aos 13 anos, acabou por ser confinada dentro da casa de sua família por mais de 40 anos devido a desequilíbrios psiquiátricos.

A partir dos estudos do psiquiatra suíço Carl Jung (1875-1961), a diretora, Patrícia Teixeira, adota uma abordagem sobre a vida de Dona Yayá que leva em conta a história da loucura e a forma como mulheres eram estigmatizadas diante de quadros psíquicos.

Um Tempo Chamado Yayá será apresentada na Casa de Cultura Dona Yayá, no centro de São Paulo, às sextas feiras, entre 11 de outubro e 22 de novembro (exceto no dia 15 de novembro, feriado), sempre às 20 horas. A peça também será apresentada nos dias 29 e 30 de novembro e 1º de dezembro no Teatro Paulo Eiró (Avenida Adolfo Pinheiro, 765, Santo Amaro, em São Paulo) e no Centro de Atenção Psicossocial de Itapeva, no dia 22 de novembro.

A peça: entre o real e a fantasia

A Casa de Cultura Dona Yayá da USP é a residência onde Dona Yayá esteve confinada por 41 anos e onde há, hoje, uma exposição sobre a ex-moradora. Após sua morte, nos anos 1960, a casa passou para propriedade da USP, uma vez que ela não deixou herdeiros. E é com base nesse lugar que Patrícia Teixeira desenvolve a dramaturgia da peça. Ela explica que o espetáculo é dividido em dois planos: o “real” e o “da memória”, ou “plano fantasia”.

Cena da peça Um Tempo Chamado Yayá – Foto: Beto Garavello

 

Enquanto o primeiro segue a perspectiva de narração linear e é contado por Gislaine Mendes, que faz o papel de monitora da exposição — que está presente na narrativa —, o segundo não segue a cronologia, necessariamente, pois esbarra na esquizofrenia, primeiro laudo recebido por Dona Yayá. A partir daí, o plano da memória é contado a partir das memórias da protagonista, que se confundem com as memórias do elenco em relação aos temas da loucura e do confinamento.

Isso se torna ainda mais complexo pelo fato de que a trama traz cinco versões de Dona Yayá ao longo do tempo, as quais são interpretadas por cinco atrizes diferentes: a Sebastiana de 13 anos, idade em que fica órfã (interpretada por Gabriela Pietro), a Yayá que chega da Europa aos 27 anos e tem, posteriormente, seu primeiro surto, aos 32 (Alana Carvalho), a Yayá já confinada, aos 34 anos (Gislaine Mendes) e mais duas versões dela ao longo do tempo, também confinada na casa — aos 55 anos (Sandra Crobelatti) e aos 65 (Lia Xavier). O elenco tem, ainda, Janaína dos Reis no papel de Maria, cuidadora, e Wash Peinado interpretando o enfermeiro e o professor de Yayá.

Para que esse diálogo entre as diferentes versões de Yayá fosse possível, a diretora revela que foi feito um trabalho de pesquisa profundo, e que trouxe a complexidade de Dona Yayá como uma mulher do final do século 19 e do início do século 20.

“Fizemos um trabalho de pesquisa em cima da história da loucura e da desigualdade de gênero e entrevistamos várias pessoas, como Chico Ornellas, que é um jornalista cuja família conheceu Dona Yayá”, diz a diretora.

Ela revela, também, que conversou com Marly Rodrigues, historiadora que auxiliou no processo de tombamento da casa, além de Maria del Carmen Ruiz, educadora da casa. Para Patrícia, é importante lembrar que o que aconteceu com Dona Yayá não foi um caso isolado.

“Falar da história de Yayá é, também, estar diante de tantas outras Yayás. A memória dela pode se confundir com as nossas memórias depois de tantas moças e mulheres que tiveram os seus sonhos, as suas subjetividades, suas almas e seus corpos confinados e mortos.”

Além de ter em Yayá a história de várias mulheres, Patrícia tem, na casa, a história da saúde mental e a da reforma da psiquiatria. “Por mais que ela tenha tido a oportunidade de ser cuidada, outras pessoas, que foram para manicômios públicos, não tiveram, e passaram por situações escabrosas e desumanas”, destaca.

A diretora, que também tem formação em psicologia analítica e é psicoterapeuta junguiana, revela que Um Tempo Chamado Yayá é finalizada com uma mensagem simbólica:

“No fim da peça, fazemos uma homenagem a tantas outras mulheres que ficaram internadas em sanatórios públicos e trazemos, de alguma forma, uma libertação para a Dona Yayá, um olhar singelo, sensível, trazendo essa Yayá para hoje e ressaltando o quanto é importante falar da luta antimanicomial”.

A loucura também tem voz

Para que a abordagem simbólica do espetáculo fosse possível, Patrícia Teixeira se ancorou em vários dos estudos de Carl Jung. Ela explica que, para o psiquiatra suíço, “a perspectiva organicista e racionalista não é o suficiente para a compreensão da alma, uma vez que a psique produz símbolos espontaneamente o tempo todo”.

A partir de uma perspectiva teórico-mito-poética, a diretora se vale da forma como a psicologia analítica vê o mundo para analisar a subjetividade dos pacientes psiquiátricos, como Dona Yayá. Assim, ela visa compreender a saúde mental e discutir a subjetividade dentro da saúde mental.

“A loucura foi institucionalizada para, na verdade, favorecer a exclusão, a desigualdade social. A loucura nunca teve voz. E ela tem voz, ela tem um porquê, uma lógica. E é muito importante trazermos, através desse espetáculo, a discussão sobre a luta antimanicomial, para que isso não aconteça novamente”, analisa.

“A Dona Yayá foi internada um mês depois de começar a apresentar quadros psiquiátricos, de desequilíbrios emocionais. Quando ela entrou em surto, começou a dizer que queriam matá-la e que estava ouvindo o barulho de correntes. E tudo isso era uma loucura, porque não tinha corrente alguma e, até então, ninguém queria matá-la. Mas se você for pensar simbolicamente, ela foi morta. É uma metáfora. Você ficar dentro de uma casa, trancada em um quarto, por 41 anos, você não está morto? E sobre as correntes, que as pessoas não escutavam: corrente não lembra prisão? Ela não foi presa? Olhar a psique e entender o que se está querendo dizer, o que se está vivendo. Estamos lidando com a subjetividade” – Patrícia Teixeira, dramaturga e psicanalista

 Um Tempo Chamado Yayá

Onde: Casa de Cultura Dona Yayá, Rua Major Diogo, 353, Bela Vista, São Paulo
Quando: de 11 de outubro a 22 de novembro, às sextas-feiras, às 20 horas (exceto 15 de novembro); 29 e 30 de novembro e 1º de dezembro no Teatro Paulo Eiró; 22 de novembro no Centro de Atenção Psicossocial de Itapeva
Quanto: Entrada gratuita, ingressos disponíveis no Sympla

 

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