Toda língua tem suas palavras intraduzíveis, e gosto de colecioná-las. Deve existir uma palavra pra essa estranha mania de acumular palavras estrangeiras sem tradução.

Shemomechama, na Georgia, comer mesmo depois de cheio. Como é que não temos palavra pra isso em português? Nós que inventamos a churrascaria rodízio.

Kushishabishi no japonês significa comer não porque está com fome mas porque sua boca está solitária. Gosto especialmente dessa imagem: uma boca tristonha, precisando de companhia, e encontrando seu par num croquete.

Abiocco, no italiano, é o sono que dá depois de comer. Sim, eles tem uma palavra praquele soninho que dá depois da Shemomechama.

Sobremesa em espanhol, não é o doce que se come depois de almoçar, mas o tempo que se fica à mesa depois de comer.

O que me lembra uma palavra nossa, só nossa: Saideira. Quer dizer, outras línguas tem um nome pra última cerveja da noite (la dernière!). Mas a nossa saideira nunca é a última, ao contrário, ela é o início de um processo de despedida – que pode durar algumas horas.

Jayus, em indonésio, é uma piada tão ruim que é engraçada. Diria que trabalho basicamente com isso: jayus.

Ilunga, no Congo, alguém que perdoa uma ofensa da primeira vez, tolera da segunda, mas nunca da terceira.

Tá bom, tem palavras que são tão específicas que não fazem a menor falta. Fika, no sueco, é uma pausa pra socializar em torno do café. Curiosamente no Brasil também é: Fica (vai ter bolo).

Wabi-sabi, em japonês, encontrar beleza na imperfeição. Kintsugi, em japonês, colar uma cerâmica quebrada valorizando a imperfeição, ou seja, o wabi-sabi (eita povo que curte uma imperfeição).

Bakku-sham, ainda em japonês, é uma pessoa que parece atraente de costas mas não de frente. No português, claro, tem um equivalente ainda mais canalha: Raimunda.

Firgun, no iidiche: o orgulho pelo que outra pessoa fez (claro que vem do iidiche, é um nome feito sob medida pras mães judias).

Pochemuchka, no russo, uma pessoa que faz perguntas demais. Se eu fosse pochemuchka não tomava nada que o Putin me oferecesse.

O italiano tem uma palavra só pra velha dos gatos: Gattara. Tsundoku, em japonês, é comprar livros que você sabe que não vai ler: história da minha vida.

Litost, em tcheco, é o que sentimos quando alguém nos lembra, acidentalmente, por meio do seu próprio sucesso, de tudo o que deu errado em nossas vidas.

Kaapshljmurslis, em letão, é ficar apertado no transporte público (taí outra palavra que deveria existir no Brasil, não na Letônia.)

E por que essa longa lista? Porque este periódico recém nascido que você tem nas suas mãos tem esse nome estrangeiro, difícil de traduzir: Fringe. Pode significar franja mas também margem, periferia, fronteira.

E Fringe também é o nome da mostra paralela do festival de Edinburgh, que se tornou muito maior do que o próprio Festival de Edinburgh, a tal ponto que hoje ele é conhecido como o Fringe – o maior festival de teatro do mundo.

Ou seja: a palavra fringe lembra margem mas também lembra que a margem pode virar o centro.

Fringe: nome perfeito pra um portal de cultura, essa planta que floresce às margens, mas ao redor da qual todos nos organizamos: centro.

Gregório Duvivier
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Fringe é uma plataforma de comunicação e entretenimento sobre arte e cultura brasileiras criada dentro do Festival de Curitiba e conta com o patrocínio da Petrobras

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