O mais insubmisso dos grandes cineastas de Hollywood, Francis Ford Coppola, honrou sua fama logo que entrou no palco do Teatro Guaíra nesta quinta-feira (31), em Curitiba. O esperava a plateia lotada por uma pequena multidão em frenesi: nerds, malucos de vários gêneros e boa parte dos estudantes e profissionais de cinema da cidade.

Coppola se atrasou, pois estava tirando fotos das famosas estações-tubo de Curitiba, mas assim que sentou-se na poltrona, recusou um homenagem que uma universidade local tinha programado para fazer-lhe. “Muito obrigado, mas não quero. No mundo, não devemos fazer o que mandam a gente fazer”, disse.

Coppola quis rever as famosas estações-tubo de Curitiba. Foto: Anderson Tozato/SEEC

Era a primeira das muitas lições da manhã.

Vestido com um costume de linho claro, Coppola se disse cansado de adulações. Queria mesmo era falar com os seus: os estudantes de cinema, a classe em que se inclui mesmo aos 85 anos. Era para eles que faria sua masterclass. “O Cinema é filho do Teatro. O Teatro tem 3 mil anos. O Cinema não tem 150”, disse, contemplando a grandeza do Guairão.

A segunda, e muito valiosa, lição foi sobre o que realmente importa na produção de cinema. “Eu aprendi com o Orson Welles que cinema é escrever e atuar. Roteiro e atores. Isto é o que importa. O resto pode ser aprendido em duas semanas. E tudo o mais, da música à direção, é feito em função da escrita e da atuação”, disse.

Todas as lições de Coppola: plateia em frenesi. Foto: Ana Clara Braga

Ele costuma dizer que não é cineasta puro-sangue como seu amigo Martin Scorcese e que seu sonho era ser escritor de peças teatrais, mas tentava e achava tudo péssimo. Até que descobriu – e lá veio a terceira lição – que que há enzimas secretas e malévolas no sangue que fazem os escritores desistirem de suas primeiras ideias e que não devemos dar-lhes ouvidos. “Escreva e não revise. Vá adiante. Se você se permite avançar, provavelmente vai cortar aquela parte ruim do início. Se você ficar reescrevendo, vai perder a melhor ideia.”

Cinema Fast Food x Arte

Famoso por quebrar regras e se arriscar – acaba de colocar centenas de milhões do próprio bolso no seu ultra pessoal projeto Megalopolis que estreia hoje nos cinemas – Coppola comparou o cinema cheio de regras dos filmes blockbusters à comida fast food e disse que é preciso separar negócios de arte.

“Não dá pra fazer arte sem risco, assim como não dá para fazer bebês sem sexo. Arte é pular no desconhecido. Façam os filmes que vocês querem fazer, pois os filmes que nossos netos farão serão muito diferentes, a gente nem imagina como e isso é maravilhosos.”

Lerner e a inspiração em Curitiba

O diretor de O Poderoso Chefão, que já faliu totalmente três vezes por fazer all in em seus projetos ambiciosos lamentou que os maiores artistas estejam cooptados pelas grandes companhias para fazer propaganda. “A propaganda diz que não somos legais, que precisamos de algo para sermos legais, mas eu vou te dizer: somos mais que legais. Somos geniais”, disse.

Megalopolis, aliás, é todo baseado no princípio aristotélico de que somos todos uma grande família: a humanidade. “Homo sapiens são gênios e encontram soluções geniais e criativas para resolver os problemas. Fomos para Marte, dividimos o átomo, somos uma única família de gênios e quem manda no mundo não gosta de nós, porque gênios não podem ser ovelhas de um rebanho.”

“O Cinema é filho do Teatro”, disse Francis Ford Coppola. Foto: Roberto Dziura/AEN

Nesta altura, ele contou que para escrever Megalopolis, viajou o mundo tudo e viu lugares incríveis, e um deles foi Curitiba, onde encontrou Jaime Lerner, que era alguém com poder político usando talento e criatividade para dar solução para problemas reais em descompasso com o que acontecia no mundo.

“Ele pensou como lidar com o lixo. Criou uma rede de reciclagem que fazia as pessoas trocarem o material por vegetais não aproveitados. Até hoje funciona. Criou as Fábricas do Saber, bibliotecas populares que parecem dar certo. O metrô custava muitos bilhões, ele criou um sistema de ônibus de superfície muito mais barato. Fechou a rua principal para os carros. Isso é ser genial”, disse.

Dinheiro não importa

No final, abriu a palavra para uma divertida e caótica sessão de perguntas e respostas e entre várias ensinamento deixou um final, singelo e verdadeiro, que é também a maneira de justificar a própria bancarrota por apostar seu patrimônio em projetos autorias.

“Dinheiro não é importante. Ter amigos é muito mais. Se você tivesse um milhão de marcos no final da Segunda Guerra em Berlim, você não conseguiria comprar um pão. Mas, se você tivesse um amigo, ele podia dividir com você”, ensinou. E os amigos de Coppola, são os que estavam na plateia e como ele acham que o cinema é a melhor coisa que o homem já inventou.

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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