Muita coisa mudou no país e na literatura brasileira desde que Luci Collin lançou, em 1997, seu primeiro livro de contos, “Lição Invisível”. Na época, a obra foi publicada por conta de ter vencido um prêmio nacional que apresentou a literatura de Luci ao país. 

Muito também aconteceu na carreira da escritora, tradutora, professora e pianista curitibana que já tem 24 livros publicados sempre entre a poesia, o conto, o romance e o teatro e com uma assinatura inconfundível de experimentação e musicalidade em tudo que faz. 

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No último sábado (31), Luci conversou com o Fringe após atender a uma longa fila de autógrafos na primeira edição do Festival Casa Literária, onde relançou “Lição Invisível”, reeditado pela Arte & Letra.

A escritora falou sobre a evolução da literatura produzida por mulheres nas últimas décadas e comemorou o fato de que a poesia e a literatura não mais dependem do suporte físico de um livro para alcançar os leitores.

  • Na quarta capa da nova edição de “Lição Invisível” há um texto de Bernardo Ajzenberg dizendo que o livro é uma prova de que “dor, rigor e bom humor” podem andar juntos. Estes são os materiais com que você trabalha? 

Isso foi um investimento numa vertente que me atrai muito, desde sempre, tá aí o livro para provar, que é justamente o tragicômico. As situações limite, em que, quando você se vê rindo do personagem, em algum momento, para e pensa: poxa, como é patético, mas como é parecido comigo. Somos todos essas figuras que vivem nesses grandes limites. E por que não os tomar como limites risíveis? Eu acho que é uma possibilidade, porque a nossa existência é massacrante desde sempre, em todos os âmbitos. No âmbito material e no filosófico, e então a literatura, enquanto o cumprimento da sua função, traz essa oportunidade de reflexão sobre as nossas próprias condições humanas. Então, minha literatura é deliberadamente humorada, sem ser uma promoção das coisas engraçadas, pelo contrário, mas é um humor mais filosófico, de constatação desses nossos limites.

  • Lição Invisível te lançou como contista e desde então tua obra se divide entre vários caminhos. Você ainda se vê como a poeta que escreve ficção como disse naquela época? 

Na prática, é tudo ao mesmo tempo. Mas eu mesma identifico certos registros, certas marcas da minha poesia, que são distintas da minha ficção. A minha poesia costuma ser mais íntima e menos irônica. Já a minha ficção, sobretudo nos contos, é mais experimental. Me permito ser mais irônica e trabalhar mais com a ideia de desestabilizar as convenções. De operar, digamos assim, nos desvios. Então, eu dou um tratamento à linguagem que é diferente, que passa pelo tragicômico.

  • Muita coisa mudou no mundo, no Brasil e na literatura desde que você começou, há 40 anos, dentre as quais o fortalecimento da literatura feita por mulheres. Como você viu, de dentro, este movimento? 

Em 40 anos, muitos eixos se ampliaram e muita gente apareceu, o que é maravilhoso. Eu falo exatamente a partir de uma experiência, de começar a publicar num momento em que a visibilidade da autoria feminina era quase zero, apesar de termos reconhecimento de grandes nomes. Temos uma belíssima lista de grandes nomes de autoras de reconhecimento nacional, mas sempre era alguma coisa muito ofuscada pela presença masculina. Isso não é nenhum chororô. Eu acho que é uma constatação muito positiva, as coisas mudaram histórica e estruturalmente, e nós nos inserimos, como ocorreu com outras minorias. Hoje, a presença da mulher na literatura e em outros segmentos da produção artística não é mais vista com um reparo histórico. As mulheres chegaram através de sua produção, e eu vejo um momento muito importante, não só das mulheres, mas de todos, porque, sem querer ser piegas, é uma grande superação quando nós identificamos, mas identificamos a presença maior, de mais expressões, de mais vozes. Depois de 40 anos, vejo com alegria estas transformações necessárias se consolidarem pela produção.

  • Uma pesquisa da Fundação Itaú mostra que, pela primeira vez, menos de 50% dos brasileiros leram livros no ano. Por outro lado, há indicadores de crescimento do mercado e de eventos literários e maiores possibilidades de publicação. Como você percebe este paradoxo?

Vou te responder de uma perspectiva muito subjetiva puxando um pouquinho para a poesia, vou usar a poesia como essa baliza da minha experiência. Eu acho que, de novo, nós temos grandes motivos para comemorar. Sim, temos menos literatura sendo buscada em livros, talvez, mas a literatura, a ideia de que, por exemplo, a poesia está encarcerada num livro e a poesia é feita só por um panteão de semideuses que detêm um certo tipo de conhecimento, caiu por terra. 

Hoje, a poesia, e, portanto, a literatura, está sendo dançada, está sendo cantada, está nas ruas. Temos expressões incríveis como o slam, como o rap, então eu acho que a gente não precisa se agarrar a esses modelos que vigoraram durante muito tempo. A literatura em livro segue acontecendo para quem estiver interessado. Hoje, nós temos uma facilidade tecnológica de prover toda sorte de experiência, e então a escrita segue muito intensa, mas nós temos esse acréscimo de outras maneiras de você se encontrar e poder reverenciar tudo que é poético. Gosto de falar em poeticidade, que é algo que pode estar num filme, numa música, num balé, enfim, a poeticidade que também estará nos poemas, e isso contempla a experiência humana com um grande contingente estético. A gente precisa lembrar que nós não perdemos a relação com a poesia porque ela não está nos livros ou porque eles não são tão procurados.

  • Você acha que a literatura ganha ao escapar do espaço limitador dos livros?

Acho que sim. A poesia ganha se espalhando por outras formas, então a gente reconhecer poeticidade num slam é dar sequência à nossa reverência pelo artístico, e eu acho que, por um lado, isso é muito bom. É muito limitador pensar só no encarceramento da literatura num formato mais convencional. Hoje nós temos essa profusão, essa democratização da própria concepção do que é o literário.

Há mesmo muitas possibilidades de expressões, muitas pessoas escrevendo e, claro, muitas pessoas também vão preferir outras formas de apreensão ou talvez nenhuma forma de apreensão, tá tudo bem. Agora, eu entendo essa preocupação com muita tranquilidade, eu acho que, nos nossos tempos, nós temos uma consciência da nossa relação e do nosso compromisso com as linguagens artísticas. Nós, escritores, vamos seguir oferecendo isso para outras pessoas que queiram também saborear essa produção, ao passo que outras coisas também vão acontecendo. E quem for fanático por yoga ou esqui aquático, eles também estão se expressando, talvez não pelo livro, mas por outras formas, e tudo isso é humanidade. Tudo isso é estarmos vivos aqui. A literatura está nesse momento e isso é bom.

Lição Invisível

De Luci Collin, Editora Arte e Letra

Preço: R$ 50 neste link.

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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